São Paulo, domingo, 18 de agosto de 1996
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Quebradeira 'some' com 20% do PIB venezuelano

LUÍS NASSIF
DO CONSELHO EDITORIAL

No dia 13 de janeiro de 1993, o Banco Latino fechou as portas. Era o segundo banco da Venezuela, o primeiro em número de agências.
Foi o início de um terremoto, uma crise bancária sistêmica que, nos 18 meses seguintes, levou de roldão 50% do sistema bancário venezuelano, liquidou com as reservas cambiais do país, teve um custo de US$ 10 bilhões (o equivalente a quase 20% do PIB venezuelano), jogou a inflação para quase 100% ao ano, o desemprego formal a índices recordes extra-oficiais de 18%, paralisou completamente os investimentos privados, levando o país à maior crise do século.
Os problemas da banca venezuelana tiveram início nos anos 80, após a crise cambial de 1983, que levou o governo a implantar um sistema de câmbio múltiplo.
Apesar de fragilizada, a banca experimentou poucas quebras no período e, em todas elas, o governo garantiu banqueiros e correntistas.
Jogo especulativo
Em 1989, Carlos Andrés Perez reassumiu a Presidência da República e relaxou as normas bancárias. "As reservas cambiais do país estavam a quase zero", justificou-se Perez ao colunista.
Havia ampla liquidez, mas não tomadores finais, dado o alto nível das taxas de juros. Os bancos passaram então a dirigir os recursos para investimentos especulativos, em geral de baixa liquidez. Emprestavam para acionistas, diretores ou trocavam chumbo entre si.
Três anos antes da eclosão da crise, a Venezuela começara a discutir nova lei bancária. O presidente do Banco Central, Pedro Tinoco, havia incumbido seus técnicos de prepararem o novo documento, que dava autonomia ao BC, à superintendência bancária e ao Fogade (Fundo de Garantia dos Depósitos), abria o setor ao capital estrangeiro e obrigava os bancos a se recapitalizarem, para se enquadrarem nos termos do Tratado da Basiléia.
Mas a lei esbarrou em ampla resistência no Congresso Nacional, em grande parte comandada pela ala especulativa da banca nacional.
Em 1992, questões sociais e crise política abriram espaço para dois levantes militares. O governo Perez agiu prontamente, prendendo os líderes. Mas a ameaça de fuga de dólares levou o governo a aumentar ainda mais os juros internos.
Nesse momento, começou a contagem regressiva para a eclosão da crise bancária.
Para conter a liquidez da economia, o BC instituiu compulsórios de 80% sobre os depósitos bancários. Era impossível aos bancos captarem a 70% ao ano, recolherem 80% de compulsório e encontrarem algum maluco disposto a tomar empréstimos na outra ponta. Montou-se um caixa dois gigantesco, que chegou a representar duas vezes o sistema oficial.
A crise política
Com o impeachment de Perez, seu sucessor Rafael Caldera foi eleito praticando um discurso populista e antibancário.
Aproveitando-se das dificuldades do Latino, Caldera quis inaugurar sua gestão com um ato heróico, ordenado seu fechamento. Matava dois coelhos com uma só cajadada: mostrava que não compactuava com as especulações do mercado financeiro e fechava o banco que havia sido fundado pelo dr. Pedro Tinoco (o homem de Caldera responsável pela abertura) e que financiara um adversário nas eleições presidenciais.
O Fundo de Garantia de Depósitos (Fogade) havia anunciado o pagamento de 60 mil pessoas, cujas contas não superassem US$ 934. Mas não teve fundos para garantir os depositantes entre US$ 934 e US$ 9.300. Para isso precisaria de US$ 555 milhões.
Nos meses seguintes, sem experiência e sem comando, o BC daria início a uma sequência de operações difusas, que ampliariam enormemente a crise. "Não há registro na literatura econômica de atuação mais desastrada que o BC neste período", diz consultor Faraco, maior crítico do BC.
"O BC poderia ter bancado os depósitos dos correntistas ou ter entrado para capitalizar os bancos." Em ambos os casos, calcula-se, desembolsaria US$ 5 bilhões.
O governo definiu uma política de auxílio financeiro pelo qual o BC emprestava ao Fogade, que auxiliava os bancos em dificuldades, sem exigir garantias efetivas. A medida em que os bancos iam apresentando dificuldades, o Fogade ia emprestando, até atingir a inimagináveis 17% do PIB.
Banqueiros e correntistas sacavam dinheiro e remetiam para o exterior. Em pouco tempo, as reservas cambiais caíram de US$ 12 bilhões para US$ 4 bilhões.
Em julho de 94, o BC resolve adotar novo procedimento, passa a estatizar bancos em dificuldades, mas mantendo-os abertos. Esse procedimento dura apenas um mês. Em agosto, decide partir para um programa de recapitalização, emprestando dinheiro para os acionistas dos bancos, com a obrigatoriedade de contrapartidas.
Situação Atual
Só agora com financiamento do BID, a venezuela passou a trabalhar na reforma do sistema. Foi criado um Fundo de Capitalização do Sistema Financeiro, que ajudará a capitalizar aqueles bancos que os controladores aceitarem aportar capital. Mas, compreensivelmente, a ação ainda esbarra na resistência da opinião pública.
A Superintendência dos Bancos começou a ser reestruturada. Em setembro de 95, com financiamento do BID, foi iniciado um programa para a padronização dos balanços, definindo um manual único de contabilidade. O novo sistema entrou em vigor em 1º de julho do ano passado.

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