São Paulo, domingo, 18 de agosto de 1996
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Sequestros são a 10ª indústria da Colômbia

DA "SEMANA"

Poucos meses atrás, alguns excursionistas que escalavam a Serra Nevada de Santa Marta (oeste da Colômbia) foram interceptados por guerrilheiros que, muito educadamente, lhes pediram seus documentos de identidade. Armado com um computador portátil, um dos guerrilheiros sentou-se sobre uma pedra no caminho, abriu a tampa do aparelho e depois de alguns minutos chamou à tela uma longa lista de nomes que confrontou com os nomes dos alpinistas.
"Podem seguir", disse a eles. Os excursionistas ficaram sabendo mais tarde que essa era a lista dos sequestráveis pela guerrilha naquela região.
Na semana passada, dois engenheiros brasileiros, a serviço da empresa Andrade Gutierrez, não tiveram a mesma sorte e foram sequestrados. Até a noite de sexta-feira, a negociação não havia nem começado.
O episódio da Serra Nevada ilustra o refinamento a que chegou a guerrilha colombiana por conta de sua receita milionária e em especial da indústria do sequestro.
Esse empreendimento, se fosse legal, ocuparia o décimo lugar entre as maiores empresas da Colômbia, avaliadas segundo seus lucros.
Um colombiano é sequestrado a cada seis horas. Pobres ou ricos, menores de idade ou adultos, vaqueiros ou executivos, nacionais ou estrangeiros -alguns são obrigados a pagar duas vezes.
Esse negócio beneficia seus responsáveis -quadrilhas de criminosos comuns e guerrilheiros- em cerca de US$ 530 milhões por ano, pelas cifras de 1995.
Matemática da crueldade
Todo esse dinheiro, que equivale a cerca de 0,9% do PIB, vai parar nas mãos das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, prováveis sequestradores dos engenheiros brasileiros), do ELN (Exército de Libertação Nacional), ambos grupos guerrilheiros de esquerda, e de criminosos comuns.
Os cálculos podem até ser conservadores, pois os casos de sequestro e extorsão conhecidos das autoridades seriam apenas entre 50% e 70% dos que ocorrem.
O valor médio dos resgates exigidos pela guerrilha em 1995 e neste ano foi de US$ 239 mil, enquanto as quadrilhas de delinquentes comuns cobram em média a metade, ou seja US$ 129 mil. O valor pago por um estrangeiro varia entre US$ 290 mil e US$ 3,9 milhões.
O sequestro é uma indústria sistematizada por meio de uma cadeia de intermediários e executores, cada um dos quais cumpre uma função específica.
Ambos têm capacidade para manter sequestrados em cativeiro por longos períodos de tempo, dominam a logística, regulam os preços e mantêm a concorrência sob controle, pois nas regiões onde a guerrilha mantém presença ativa muito dificilmente operam quadrilhas sem sua autorização.
Os grupos guerrilheiros podem encarregar-se diretamente dos sequestros mais lucrativos, mas também entregar concessões e franquias ou mesmo terceirizar o trabalho por meio de grupos subordinados, dos quais cobram royalties. Além disso, têm "filiais" na Venezuela, Equador e Panamá.
Em vários casos, os sequestradores exigem uma quantia adicional de dinheiro após o pagamento do resgate. Alguns analistas dos serviços de informação afirmam que isso não passa de um golpe do chefe da frente, em benefício próprio. Mas outros dizem que se trata de saldos que as frentes precisam para cumprir as contribuições exigidas pelo comando central.

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