São Paulo, domingo, 18 de agosto de 1996
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As eleições israelenses e o processo de paz

NOAM CHOMSKY

"Com a vitória apertada de Binyamin Netanyahu na eleição para primeiro-ministro israelense, na semana passada, o processo de paz árabe-israelense, que a administração Clinton trabalhou tão duro para orientar e administrar, está efetivamente acabado." São as palavras iniciais de uma reportagem do "The New York Times" sobre a eleição israelense, repetidas por amplos setores. As conclusões são dúbias, sendo baseadas em grande medida em ilusões acerca do "processo de paz".
O conflito israelense-palestino é objeto de amplo consenso internacional. Desde 1967, a base da diplomacia tem sido a resolução 242 da ONU, de novembro de 1967, que pedia paz em troca da total retirada israelense.
Os EUA, que ajudaram a forjar esse consenso, o abandonaram em 1971, quando o presidente egípcio Sadat aceitou a posição oficial de Washington. Em resposta, os EUA se juntaram a Israel para rejeitar o componente de retirada. Também nisso Clinton foi um passo à frente. Hoje os territórios são "disputados", não mais "ocupados", e seu destino será decidido conforme determinação dos EUA e de Israel.
Os acordos de Oslo adotam a posição EUA-Israel. Oslo 2 (setembro de 1995) divide a Cisjordânia em três zonas: a zona A é administrada pelo Conselho Palestino, a zona B possui o status ambíguo da "autonomia" e a zona C é governada por Israel. A zona C abrange 70% da Cisjordânia, a zona A, cerca de 2%, áreas urbanas árabes que Israel ficou feliz em deixar. A zona B consiste em mais de cem fragmentos no interior da zona C, israelense. Em Gaza, Israel optou por manter cerca de 30% do território e abriu mão dos campos de refugiados e do caos urbano.
Para avaliar essa "paz dos vitoriosos", como a descreve o comentarista israelense Meron Benvenisti, poderíamos recordar que, no auge do rejeicionismo americano-israelense, o Partido Trabalhista de Rabin e Peres pediu o controle israelense de 40% dos territórios. Israel nunca quis controlar a população árabe, apenas tomar a terra utilizável e os recursos naturais.
Os direitos nacionais palestinos chegaram à pauta diplomática nos anos 70, isolando Washington ainda mais. Em janeiro de 76, os EUA vetaram resolução do Conselho de Segurança pedindo um Estado palestino ao lado de Israel, e desde então vêm bloqueando qualquer iniciativa diplomática que se afaste dos princípios rejeicionistas. Estes estão codificados nos acordos de Oslo, que eliminam qualquer idéia de autodeterminação palestina significativa.
Ambos os blocos políticos israelenses se opõem a um Estado palestino, mas Israel faria bem em conceder o nome de Estado aos fragmentos que decidir deixar sob a administração local palestina. Ainda assim, o resultado não seria comparável ao programa de bantustões da África do Sul. Os bantustões eram mais viáveis, e a África do Sul lhes concedia apoio substancial. Israel barrou o desenvolvimento dos territórios e não pretende lhes oferecer nada. Ademais, Oslo 2 atribui aos palestinos a responsabilidade integral por "obrigações e dívidas" resultantes da ocupação.
As autoridades palestinas também aceitam formalmente "os direitos legais dos israelenses (incluindo empresas) relativos a terras localizadas em áreas sob a jurisdição territorial do Conselho" e também em outros lugares, é claro. Isto é apresentado como fórmula permanente.
O governo militar israelense retém "os necessários poderes e responsabilidades legislativos, judiciários e executivos" e o poder de veto sobre a legislação palestina. Oslo 2 reafirma mais categoricamente a maior conquista do processo de paz: o consenso internacional está morto e enterrado, sob todos os aspectos significativos.
É provável que Netanyahu continue a consumar a "paz dos vitoriosos", com financiamento e apoio dos EUA.
Há diferenças entre trabalhistas e o Likud. Netanyahu e seus assessores de segurança se opõem aos fechamentos irredutíveis da fronteira impostos pelos trabalhistas, que reduziam a população dos territórios à miséria e ao desespero.
Eles sabem que são gestos políticos sem qualquer motivação de segurança e preferem permitir que mais palestinos trabalhem em Israel. O governo trabalhista havia substituído os palestinos por cerca de 200 mil trabalhadores do sudeste asiático, Leste Europeu e outros lugares. O Likud anunciou a expulsão de metade deles.
O Likud advoga uma expansão ainda maior dos assentamentos, embora a diferença talvez demonstre ser mais de estilo do que de conteúdo. A política econômica de Netanyahu dá continuidade à reestruturação neoliberal trabalhista, que intensificou a pobreza e elevou a desigualdade de renda.
A imprensa israelense registra poucas mudanças substantivas na política econômica. As políticas trabalhistas de integrar Israel à região como centro militar-tecnológico-financeiro também deverão continuar. Embora o novo governo seja a liderança mais americanizada da história de Israel, tem que levar em conta o eleitorado religioso-nacionalista, o que significa mais gestos chauvinistas e mais financiamento para instituições religiosas, com cortes nos serviços às comunidades pobres.
Outras diferenças podem ser encontradas, mas existe pouca base para a crença de que as eleições são indicativas de uma mudança acentuada no rumo do país. O processo de paz tem sido um testemunho dramático do domínio da força nos assuntos internacionais e da habilidade das classes instruídas em esconder as conquistas do poder sob um véu de nobreza. Por enquanto, não enfrenta nenhum desafio sério.

Tradução de Clara Allain

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