São Paulo, segunda-feira, 19 de agosto de 1996 |
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Unicef elogia parceria de ONGs e governo no Brasil
DANIELA FALCÃO
A avaliação é da norte-americana Carol Bellamy, 56, diretora-executiva do Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância). Ela esteve no Brasil recentemente, a caminho da Cúpula de Santiago -reunião de 30 ministros de Estado da América Latina e do Caribe para avaliação dos avanços obtidos na área da infância desde a última conferência mundial da ONU (Organização das Nações Unidas) sobre o tema, há seis anos, em Nova York (EUA). Em entrevista à Folha, Bellamy e Agop Kayayan (representante do Unicef no Brasil) afirmaram que o Nordeste receberá mais ajuda financeira da organização. "Essa é a nossa maneira de diminuir a desigualdade no Brasil", disse Bellamy. Ela deu nota "B+" aos esforços dos países para reduzir a mortalidade infantil. Avaliou como "mediano" o desempenho na área de educação e afirmou que ainda é preciso fazer muita coisa pelos direitos das crianças. Leia a seguir os principais trechos da entrevista. * Folha - Como o Unicef pode ter certeza de que os países estão cumprindo o que foi acordado na Cúpula Mundial em Favor da Infância, em 1990? Carol Bellamy - Eu não posso ter certeza de nada. Não podemos apontar um revólver para a cabeça dos países. As conferências de avaliação -como a do Chile- ajudam muito a pressionar os países que estão fazendo pouco e animar os que estão indo bem. Cada país tem de apresentar um relatório com tudo o que já fez e as metas para os próximos cinco anos. Uma novidade é que, neste ano, o secretário-geral da ONU, Boutros Boutros-Ghali, fará um relato para a assembléia geral sobre o que cada país fez para melhorar a situação da infância desde 90. Mas a melhor pressão é sempre aquela feita dentro do próprio país, pela sociedade civil. Agop Kayayan - Uma das melhores maneiras de controlar o que os países estão fazendo é levantando dados sobre o desempenho de países vizinhos e comparar. Folha - Mas como ter certeza de que as estatísticas de um país são corretas, não estão mascaradas? Kayayan - No Brasil, a maioria dos dados vem do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Se há distorções, é dentro da margem de erro prevista. Bellamy - Tentamos usar as melhores estatísticas. Reconheço que elas não são perfeitas, mas as distorções não são tão graves. A maioria das estatísticas não corresponde à realidade, mas está próxima dela. É o único meio que temos para comparar a situação em regiões ou em países diferentes. Folha - A falta de resultados concretos é uma das principais críticas feitas às conferências da ONU. Há como mudar isso? Bellamy - Acho que todas as conferências têm de ser seguidas de reuniões regionais de avaliação. As conferências não podem virar um megaencontro que reúna gente de todo o mundo. Não podem ser um monte de palavras escritas num papel que as pessoas esqueçam assim que voltarem para casa. Folha - Como a sra. vê as críticas feitas à ONU, de que ela gasta muito e faz pouco? Bellamy - As pessoas às vezes falam da ONU como se ela fosse um corpo estranho, um outro país. Mas a ONU é feita pelos próprios países-membros. Folha - Quais as armas usadas pelo Unicef para convencer os governos a priorizar a infância? Bellamy - Usamos a persuasão. Procuro visitar o maior número possível de países e sempre tento encontrar autoridades. Aqui, por exemplo, encontrei três governadores, uma prefeita, o presidente, a primeira-dama e dois ministros. As ONGs (organizações não-governamentais) também são importantes para pressionar o governo. Em alguns países, elas são eficientes. Em outros, o que vale é o lobby com o presidente. Folha - Os países em desenvolvimento fazem menos pela infância do que os países ricos? Bellamy - Por incrível que pareça, não. Os EUA, por exemplo, onde nasci, foram em 95 o país que liderou a lista dos que tinham recursos, mas que fracassou em utilizá-los. Outra vergonha que tenho é o fato de os EUA serem um dos poucos países que ainda não assinaram a Declaração Universal dos Direitos da Criança. Quase todos os países (187) assinaram. É uma vergonha. Folha - Qual a estratégia utilizada para pressionar o Brasil? Kayayan - O Brasil tem conseguido avanços graças à parceria entre as ONGs e o governo federal. Elas não só pressionam como ajudam a buscar soluções e implementar os programas para melhorar a situação na infância. E o governo tem se mostrado aberto ao envolvimento das ONGs. Em alguns países é mais difícil, mas aqui a parceria tem sido muito saudável. Um exemplo para o mundo. A atuação da imprensa também tem sido muito importante, porque ela monitora o que está sendo feito. Folha - Que áreas a sra. acredita que as crianças conseguiram mais avanços? Bellamy - Acho que, no mundo todo, a área que mais evoluiu foi a de saúde básica. Os governos realmente se empenharam em reduzir a mortalidade infantil, e a maioria conseguiu. As campanhas de vacinação foram muito importantes. Calculamos hoje que mais de 80% das crianças com menos de 5 anos em todo o mundo tenham sido vacinadas contra pólio. Também acho que muitos governos trabalharam duro para garantir acesso à educação fundamental. Mas o foco agora não deve ser só no número de crianças matriculadas, mas na qualidade das escolas. Falei sobre isso com o presidente Fernando Henrique. É bom lembrar que 130 milhões de crianças em idade escolar estão fora das escolas e que dois terços são meninas. Mas, como disse, o foco maior deve ser na qualidade. Há uma terceira área que acho que ainda precisa melhorar muito, que é a do direito das crianças. Acho que, nos próximos dez anos, a maioria das organizações que trabalham com crianças vai se dedicar a essas questões: a exploração do trabalho infantil, a prostituição, a violência contra menores, o direito ao nome... Folha - Direito ao nome? Kayayan - Essa é uma questão que não parece importante, mas no Brasil é um problema sério. Nem todos têm certidão de nascimento, e muitas vezes os políticos as trocam por votos. É um direito básico que lhes é negado. Folha - Que nota a sra. daria para os avanços dos países em saúde, educação e direitos? Bellamy - Dou nota B+ para a saúde. Dou avaliação mediana para educação, embora tenha havido avanços. E prefiro não avaliar a questão dos direitos das crianças, porque essa é uma área nova. Folha - E como avaliaria o desempenho do Brasil? Bellamy - Acho que o Brasil está na frente de muitos países em desenvolvimento, porque sua economia é mais forte. Mas o problema do Brasil é a desigualdade social, as diferenças entre o norte e o sul do país. De maneira geral, o Brasil vai bem. Folha - Como a desigualdade pode diminuir? Bellamy - Fiquei muito impressionada com o que vi em Minas. Lá existe um programa em que 25% do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) é reservado para os municípios que não geram ICMS. É uma boa idéia, que poderia ser usada pelo governo federal para dar mais dinheiro às regiões pobres. Folha - O Unicef pode contribuir para reduzir a desigualdade? Bellamy - Claro, já fazemos isso quando priorizamos nossa ajuda financeira aos Estados do Nordeste. Não somos uma organização rica, e nossa missão é trabalhar com os mais pobres. Nossa contribuição financeira é modesta, mas, quando priorizamos o Nordeste, estamos contribuindo para diminuir a desigualdade. Folha - O Unicef tem pouco dinheiro? Bellamy - Comparados ao Banco Mundial e outros órgãos, somos minúsculos. Dois terços dos recursos da Unicef vêm de doação dos países-membros, e um terço vem do setor privado. No Brasil, parte do dinheiro da Unicef é arrecadado aqui mesmo. 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