São Paulo, segunda-feira, 19 de agosto de 1996
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Dívida cínica

JUCA KFOURI

A revelação do tamanho da dívida dos clubes com o governo, feita ontem por esta Folha, mostra até que ponto não faz sentido algum uma lei de incentivos fiscais ao esporte.
Na verdade, o Estado já subsidia o futebol, aberração que precisa terminar.
Quando, no começo dos anos 70, o governo italiano se deu conta de que havia uma situação parecida, não teve dúvida: cobrou a dívida com a mão direita e, com a esquerda, escreveu uma lei que obrigava a transformação dos clubes em empresas.
Foi o que se viu. Em pouco tempo, o futebol italiano mudou da água para o vinho e passou a ser o mais encorpado do mundo. O caminho brasileiro deve ser o mesmo.
A Lei Zico, desfigurada em seu projeto inicial no Congresso, deixou como opção a transformação dos clubes em empresas, e, até hoje, nenhum clube adotou a solução.
A razão é simples. Isentos de impostos e beneficiados por toda sorte de privilégios, os clubes preferem deixar tudo como está.
Se, por exemplo, devem pagar suas dívidas com descontos em suas rendas nos estádios, promovem a famosa evasão, objeto das vaias tão comuns por parte de quem frequenta os campos de futebol.
Alguém já disse, aliás, que o Brasil é o único país no mundo em que os torcedores vaiam o anúncio de sua presença nas arquibancadas.
Não será por outro motivo, ainda, que o Pacaembu é o único estádio do planeta que tem um setor chamado de "numeradas cobertas" e outro de "numeradas descobertas", ambos sem números.
O levantamento feita pela Folha dá a oportunidade para que se ponha fim a tanta falta de profissionalismo de uma vez por todas.
É simplesmente falso, como argumentam alguns cartolas na própria reportagem, que, sem privilégios fiscais, os clubes desaparecerão.
Eles sim, esses cartolas, correm o risco de ser varridos em nome da competência.
Como é risível, a ameaça de desfiliação dos clubes devedores feita pelo presidente da FPF, Eduardo Farah, ele mesmo às voltas com graves problemas com o fisco.
O futebol brasileiro precisa ser privatizado para se transformar num dos maiores negócios do mundo do esporte.
Para tanto, a profissionalização de seus dirigentes é um passo fundamental, e, ao Estado, só cabe cobrar o que lhe devem, medida que tornará a reforma imediata.
A bola está quicando.

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