São Paulo, segunda-feira, 19 de agosto de 1996
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Faltou gente de cinema no festival

AMIR LABAKI
ENVIADO ESPECIAL A GRAMADO

O 24º Festival de Gramado - Cinema Latino e Brasileiro, encerrado na madrugada de ontem, confirmou-se como um evento de transição.
No âmbito nacional, não resgatou o perfil de principal mostra dedicada à produção brasileira; no internacional, ao insistir no caráter latino, apesar da melhor seleção até hoje, permanece uma mostra de reduzida importância.
Gramado-96 não soube utilizar seu peso político para catalisar a finalização de novos títulos que garantissem uma forte competição brasileira. Quase passivamente, contentou-se em abrigar seis filmes, apenas três dos quais inéditos ("Como Nascem os Anjos", "Quem Matou Pixote?", "O Monge e a Filha do Carrasco").
Por sorte, o primeiro se confirmou como uma das mais poderosas produções nacionais recentes. E o diretor, Murilo Salles, deixa Gramado como um cineasta em novo e elevado patamar.
A retomada do cinema brasileiro foi um cavalo que Gramado não soube montar. Além de filmes, faltou mais uma vez ao evento vontade política de se tornar um real centro de debates e encontros ligados ao cinema e ao audiovisual.
Não bastam os representantes dos filmes em disputa ou a passagem-relâmpago do ministro da Cultura, Francisco Weffort, no último dia do festival, para se declarar abordada a questão.
Mais do que autoridades, faltou gente de cinema, diretores, produtores e técnicos. Mas sobretudo distribuidores e exibidores, num momento em que discutir como lançar os filmes é indissociável dos debates sobre formas de produção.
A representantes do setor cinematográfico, Gramado ainda prefere estrelas da hora e coadjuvantes de TV. É o triunfo de sua face turística sobre a cultural.
Bastante simbólico disso foi o absoluto descaso da organização com a disputa de curtas-metragens 16 mm, bitola de descobertas por tradição.
As duas sessões competitivas oficiais (quinta e sexta) tiveram de ser autogeridas pelo público, da apresentação dos realizadores à dinâmica da projeção, depois de mais de meia hora de omissão dos organizadores.
A reincidência tornou o desrespeito intolerável. Isso num ano em que as sessões oficiais noturnas se deram ao luxo de ter por mestre de cerimônias ninguém menos que o simpaticíssimo José Wilker, acompanhado nos finais de semana por Marília Gabriela.
A esvaziada parte nacional do evento tampouco foi equilibrada pela latina. Apesar da subida do nível médio dos títulos dessa competição, Gramado continua a ser ponto de chegada e não de partida dos filmes no circuito planetário de festivais. Ninguém vem do exterior ao evento descobrir filmes não-brasileiros.
Há muito passou a hora de se reconhecer que o kikito latino não emplacou. Nesse momento de debate sobre a importância dos pactos regionais, especificamente aqui do Mercosul, talvez a melhor alternativa fosse apostar num trabalho de curadoria sério e agressivo em cima de uma mostra latino-americana, não necessariamente competitiva.
Essa face internacional é importante, mas secundária. A força de Gramado é proporcional à pujança de sua competição brasileira. Se o que interessa é cinema, e não lã, couro ou chocolate.

O crítico Amir Labaki viaja a Gramado a convite da organização do festival.

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