São Paulo, segunda-feira, 19 de agosto de 1996
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Reforma agrária

DARCY RIBEIRO

Não sei se Fernando Henrique está consciente de que comparecerá na história principalmente como o presidente que viu o alçamento do povo brasileiro pela reforma agrária.
Nada houve de mais importante em nossa história. Muito mais marcante que Canudos, que o Contestado, relevantíssimos, mas locais, regionais.
Agora é a nação camponesa que se alça inteira, consciente de si, chamando para a luta os milhões de expulsos do campo, que vivem e morrem a vida famélica das favelas e das periferias.
Reforma agrária não é problema. É solução! A única que se oferece, hoje, para que nosso povo não morra de fome, de desespero, entregue à marginalidade, ao crime e à prostituição.
Com efeito, o sistema econômico vigente não tem condições de absorver a imensa força de trabalho que aí está, reivindicando tão-somente o sagrado direito ao emprego. Reverteu-se o processo histórico brasileiro.
Nossa sociedade, por séculos, viveu faminta de mão-de-obra, importando milhões de negros e de brancos; o que tem agora, em demasia, é gente querendo trabalhar.
Humilde gente, somando muitos milhões, que só reconquistará sua dignidade humana, reestruturará sua família cindida, recuperará seus filhos caídos na delinquência e na prostituição se for assentada num pé de chão.
Só ali, plantando sua mandioca, seu milho, seu feijão, criando suas galinhas para comer e vendendo o que sobrar, encontrarão lugar na economia brasileira para prosperar, como produtores e consumidores.
O embate se dá entre cerca de 20 mil latifundiários que monopolizam metade do Brasil, terras em que não produzem e não deixam produzir, e as dezenas de milhões de brasileiros submetidos ao feroz genocídio do sistema econômico vigente.
Felizmente, o povo se alça, irredento, e vai se pôr cada vez mais iracundo, até que se faça, aqui e agora, o que devia ter sido feito há 150 anos.
Então, a lei decidiu que a posse da terra não dá nenhum direito. O único direito é o título de propriedade emitido pelo governo ou pelo cartório. Quase sempre falsificados ou ilegais.
O latifúndio é ilegal porque tem a terra para especular e não para usar, o que é o supremo abuso. É ilegal também porque as tem em proporções muito maiores do que as constituições brasileiras têm admitido.
A solução única para que a reforma agrária não seja uma negociata que leve o Brasil à falência, pagando pela terra os preços da especulação, é reconhecer a crua ilegalidade do latifúndio improdutivo, para fazer dele um imenso fundo de colonização em que se possa assentar os milhões de famílias que ainda estão no campo e os outros milhões que para lá querem regressar.

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