São Paulo, segunda-feira, 19 de agosto de 1996
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Fé na democracia

PAULO MALUF

A eleição deste ano é o quarto pleito municipal desde que as capitais dos Estados brasileiros reconquistaram em 1985 o direito de eleger o prefeito pelo voto direto.
Após ter disputado, ao longo desses anos, uma eleição direta para presidente da República, duas para governador de São Paulo e duas para prefeito da capital, obtendo nas urnas o mandato que hoje exerço, posso reafirmar minha convicção na superioridade do voto popular sobre qualquer outro sistema de escolha dos governantes e congratular-me com o povo brasileiro pela maturidade adquirida na utilização desse instrumento.
Sou um reformador, assim como reformador é o meu partido, o PPB (Partido Progressista Brasileiro). Minha opção nunca foi destruir estruturas nem atuar à margem delas, mas sim trabalhar por dentro, para transformá-las.
Há quem enxergue contradição entre o início de minha carreira política, durante o regime militar, e a liderança popular de que hoje desfruto, reconhecida até por adversários, na plenitude do Estado de Direito e da democracia. Mas, assim como é preciso plantar o trigo para obter o pão, foi preciso semear no terreno duro do autoritarismo a semente que se transformou na tenra planta da liberdade.
Os mais jovens, que agora vão votar pela primeira vez, ainda não tinham nascido quando minha candidatura ao governo de São Paulo, dentro da então Arena, desafiou a vontade de dois generais presidentes, um que estava deixando e outro que assumia a Presidência da República, que não queriam ter no comando do principal Estado brasileiro um político com personalidade própria.
Minha vitória na convenção partidária sobre Laudo Natel e a posterior eleição indireta pela Assembléia Legislativa representaram a primeira fissura na tutela que os militares exerciam sobre a vida civil do país. Como governador, nomeei pela primeira vez um civil, o eminente desembargador Otávio Gonzaga Junior, para secretário da Segurança Pública, cargo que até então era cativo de militares.
Em 1984, na convenção nacional do PDS, derrotei o candidato militar que era o então ministro Mário Andreazza, possibilitando que a disputa indireta no colégio eleitoral fosse entre dois civis. Tancredo Neves, então eleito presidente da República, reconheceu essa minha contribuição à redemocratização do país.
Esses fatos, que hoje pertencem à história do Brasil, precisam ser relembrados porque, se naquela época escolhas indiretas eram as regras do jogo, eu nunca tive, desde os tempos em que fui eleito presidente da Associação Comercial de São Paulo, na década de 70, medo de voto ou de urna. Assim, disputei as já citadas eleições diretas defendendo minhas idéias e oferecendo propostas concretas. Quando perdi, procurei aprender com a derrota. Quando ganhei, dei tudo de mim para honrar os compromissos assumidos e a confiança em mim depositada.
Hoje posso notar que as eleições, ao contrário do passado, fogem aos esquemas maniqueístas de esquerda ou direta, de bons ou maus, para privilegiar o debate em torno dos problemas concretos da população. E acredito ter contribuído para qualificar este debate ao fazer uma gestão que não se omitiu diante de nenhuma questão polêmica, quer no campo administrativo, quer nas realizações sociais, com medidas que, pela sua ousadia, desafiaram os adversários a descer de cima do muro, a se posicionar contra ou a favor.
Quero acrescentar que o processo democrático requer aperfeiçoamento constante e que, no caso brasileiro, isso passa pela introdução do voto distrital misto ou de instrumentos que reforcem a fidelidade partidária, porque apenas partidos unidos em torno de um ideal e de um programa político comum podem oferecer ao eleitorado opções que não se percam no terreno pantanoso de siglas, que parecem galhos, dos quais certos políticos saltam de um para outro, ao sabor das conveniências e circunstâncias.
Manifesto também meu apoio ao instituto da reeleição para cargos executivos, mas que não pode ser introduzida de maneira casuística, para favorecer pessoas, devendo valer apenas para os detentores de mandatos futuros.
Ao reafirmar minha fé na democracia como instrumento insubstituível da soberania popular, por meio do qual é possível conciliar progresso econômico com justiça social, reafirmo igualmente que em política não existem bons ou maus. Existem políticos que pensam de maneira diferente e que devem ser julgados sobretudo pelo que fazem ou não em benefício da comunidade.

Paulo Salim Maluf, 64, é prefeito de São Paulo e presidente de honra do PPB (Partido Progressista Brasileiro). Foi deputado federal pelo PDS de São Paulo (1983-86), prefeito de São Paulo (1969-71) e governador do Estado de São Paulo (1979-82).

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