São Paulo, quarta-feira, 21 de agosto de 1996
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Manoel de Barros mostra o nada

OTÁVIO DIAS
DA REPORTAGEM LOCAL

Eis a sugestão feita pelo poeta mato-grossense Manoel de Barros: que tal falar de nada, escrever sobre nada?
O autor, que completa 80 anos este ano, acaba de lançar na Bienal do Livro seu "Livro sobre Nada" (editora Record, R$ 15,00).
Levinha, a obra não tem mais que 135 gramas, o peso de uma maçã. Em 85 páginas, provoca uma sucessão de sustos e risadas.
Mas, afinal, que nada é este trazido por Manoel de Barros?
"Meu nada não é metafísico", disse o poeta à Folha no último sábado. "É a pura vontade de dizer minha essência através do verso."
O nada de Manoel de Barros é uma brincadeira de palavras, é "coisa nenhuma por escrito", um "parafuso de veludo".
Veja só: "Um lagarto atravessou meu olho e entrou para o mato. Se diz que o lagarto entrou nas folhas, que folhou."
"Para mim, poesia não é para contar histórias ou descrever coisas", continua. "Me interessa é o toque das palavras, a ressonância, o ritmo. Mais nada."
Mas a poesia não é o melhor instrumento para expressar sentimentos? "Tenho a pretensão de emocionar só através do fenômeno da linguagem", responde.
Engana-se também quem pensa que Manoel, conhecido como o poeta do Pantanal, escreve seus poemas da varanda de sua fazenda, olhando para o sem-fim.
"Este é o meu lastro. Um lastro de brejo, de água", diz. "Fui criado em meio às formigas, às lagartixas. Daí vêm as palavras que me comandam: limo, pedra, sol..."
Ele, no entanto, escreve em seu escritório em Campo Grande, seu "lugar de ser inútil".
Todos os dias, das 7h ao meio-dia, Barros se tranca em sua "prisão" e começa a escavação de palavras. "Vou em busca do início da língua, do momento em que o português queria sair do latim."
A inspiração vêm de estudos de filologia e de autores portugueses quinhentistas. Ele também sabe guarani e travou contato com outros idiomas indígenas. "Vozes primitivas me fascinam", diz.
Para Manoel, as palavras são femininas e a convivência com elas têm algo de erótico: "É um negócio de gozação mesmo".
O humor é outro elemento fundamental de sua poesia. "O sujeito que não zomba de si mesmo é uma merda", diz
"Então, vamos falar sobre nada?" A Folha aceitou a singela sugestão e convidou alguns brasileiros a dar sua contribuição (leia quadro ao lado).

LEIA MAIS sobre Bienal do Livro nas págs. 4-6 e 4-7

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