São Paulo, quarta-feira, 21 de agosto de 1996
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Poeta caubói faz versos sobre tombos e bois

ARMANDO ANTENORE
DA REPORTAGEM LOCAL

"Êra, êra, hoo! Hohowo!!!/Apenas grito/grito de um passado./Que saudades me dá/da lida do gado/no norte do Paraná."
Quando declama o poema que escreveu há poucos meses, Sinval da Silveira Pinto chega às lágrimas. Mas rapidamente se recompõe -parece lembrar que é, afinal, um homenzarrão de 1m83, 38 anos, o hálito recendendo cigarro.
Ajeita, então, o chapéu de vaqueiro. Apruma a calça jeans, alisa a camisa xadrez e sai caminhando pelo Expo Center Norte, os passos largos, as botas de bico fino brilhando sobre o salto carrapeta.
Se uma moça ou criança estranham aquele andar quase ficcional, o caubói saca o berrante das costas e o toca longamente. Depois, diz "umas trovas" para os ouvintes espantados.
"Presta atenção, filho de Deus. Quando dou de recitar, arregaço mesmo. Homem de barba, macho grande, escuta e chora chorado."
Silveira Pinto veio à 14ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo para lançar "Nos Rodeios da Vida". "É minha estréia como literato", faz questão de frisar.
Morasse nos Estados Unidos, ele teria pelo menos outros 75 mil iguais. Lá, boiadeiros de Montana, Nevada, Texas, Arizona, Idaho e Minnesota se reúnem mensalmente para declamar poesias. Aqui, os poetas caubóis são escassos. "Eu mesmo não conheço nenhum", garante Silveira Pinto.
A Questão de Opinião, editora do Paraná, publicou "Nos Rodeios da Vida" sob patrocínio da Imprensa Oficial do Estado. O livro, com tiragem de 2,5 mil exemplares, está à venda em bancas. Reúne 58 poemas que o vaqueiro concebeu nos últimos 11 anos.
"Para mim, a Bienal já é um sucesso. Quando o governador Mário Covas inaugurou a feira, lhe autografei um livro. Fiz os garranchos e, seguidinho, puxei o berrante. Indaguei se podia tocar o hino nacional por inteiro. O homem riu, mas não quis escutar."
Natural de Ribeirão do Pinhal (PR), filho de bóia-fria, o caubói cursou apenas o primário. "O pouco que aprendi devo à dona Madalena e dona Mariodete, minhas professoras."
Com nove anos, largou a escola e subiu no "lombo do burro". "Conduzi gado pelo Paraná e Minas Gerais. Só abandonei a lida porque o Exército me chamou."
Deixou a caserna em 77. "Três anos depois, peguei a empreitada de caçar búfalo selvagem na Serra do Mar. Buscava o marrudo dentro da mata e arrebanhava para uma fazenda à beira da praia."
Nessa época, também brilhava em rodeios. "Montava cavalo no arreio, cavalo na crina e touro bravo. Era um vidão."
Em 85, porém, a sorte virou. Sofreu um acidente de carro e quebrou os dois pés. Ficou seis meses sem sair da cama, sozinho numa pensão de Curitiba.
"Filho, aquilo me deu mágoa. De manhã, acordava, via as tralhas de rodeio espalhadas pelo quarto e gemia de tristeza, achando que nunca mais iria montar. O sentimento aguçou e a agonia acabou por me abrir um mundo novo: despejei, sentido, meu primeiro poema, 'Velho Berrante Amigo'."
Os meses se passaram, o caubói retornou à arena, mas não parou de fazer versos. "Já tenho umas 400 poesias." Escreve sobre estouros de boiada, burros empacadores, proezas de peões, os dois filhos (Jeferson Guilherme e Fernanda Clarissa), os heróis de rodeio e as mulheres que cruzou "pelas currutelas da vida".
"Desfruto minha liberdade", resume. "Se tentarem me colocar cabresto e me amarrar no palanque, ou arrebento o cabresto ou morro no pé do palanque."

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