São Paulo, quarta-feira, 21 de agosto de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

"Finn" trata de liberdade

HELVÉCIO RATTON
ESPECIAL PARA A FOLHA

Li "As Aventuras de Huckleberry Finn" na adolescência, acho que na adaptação de Monteiro Lobato, não me lembro bem.
Mas ficou na memória a imagem de um menino ruivo, franzino, fugindo de todos e de tudo, especialmente do pai, numa jangada pelo rio Mississipi afora, junto com um negro que fugia da escravidão.
Na memória ficaram as peripécias juvenis, as aventuras do menino que, de coadjuvante, de melhor amigo de Tom Sawyer, havia saltado para protagonista de sua própria história.
Lendo agora o original na íntegra de Mark Twain é que pude degustar sua fina qualidade literária e encantar-me com sua visão libertária do mundo, que nos é passada por meio dos olhos e das palavras de Huck.
Essa é uma história contada na primeira pessoa e quem nos fala todo o tempo é Huck, numa linguagem cheia de ritmo e erros gramaticais. Afinal, Huck é um menino que não gosta da escola e que resiste, até o final, à idéia de ser civilizado, ou "sivilizado", como ele diz em bom e oral português.
Os mais famosos personagens de Mark Twain, Tom Sawyer e Huckleberry Finn, são como dois lados de uma mesma pessoa. Se Tom é a imaginação criadora permanente, de quem recusa o caminho fácil e transforma o real em fantasia como um Don Quixote, Huck se guia sempre pelo princípio da realidade, pela vida como ela é.
Afinal, sua barra é mais pesada que a do amigo Tom. A família de Huck é um pai bêbado que o espanca pelo menor motivo e o tranca numa cabana no mato. E é dessa realidade que Huck foge e seu caminho é o da aventura permanente, da fábula que nunca termina.
Montados numa jangada sobre o Mississipi, Huck e Jim, o escravo fugido, vão conhecendo em cada porto, em cada encontro, mais um pouco da natureza humana. É na companhia de dois fabulosos personagens, Rei e Duque, malandros que vivem de dar golpes na boa fé alheia, que o menino embarca nas melhores aventuras do livro.
Huck não tem princípios morais rígidos, afinal ele não foi "sivilizado", e ajuda os malandros a enganar as pessoas. Mas ele se guia sempre pelo coração. E quando percebe que a ação dos dois prejudica pessoas que ele considera boas, Huck desfaz o mal feito, sempre de forma engenhosa e perigosa.
Por meio desses dois nobres de fancaria, Huckleberry Finn/Mark Twain conclui que a nobreza e a realeza não valem mesmo nada e sempre estão se aproveitando das pessoas.
Hoje, descubro que "As Aventuras de Huckleberry Finn" é um livro sobre a liberdade. Cada um deve escolher seu próprio caminho, mesmo que seja o "mau caminho", pensa Huck em certo momento, quando se julga incapaz de fazer as coisas de maneira diferente.
Nessa grande metáfora sobre a liberdade, Huck percebe que o escravo Jim é feito da mesma humanidade que ele, o que torna ainda mais confusas suas idéias sobre a escravidão. Guiado pelo coração e pela liberdade de escolha, Huck acaba se revelando um ótimo aluno da escola da vida.
Sempre com uma jangada escondida na beira do rio.

Livro: As Aventuras de Huckleberry Finn
Autora: Mark Twain

Texto Anterior: Poeta caubói faz versos sobre tombos e bois
Próximo Texto: Publifolha lança livro de frases
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.