São Paulo, quinta-feira, 22 de agosto de 1996
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Indulto ou duplo julgamento

NÉLIO ROBERTO SEIDL MACHADO

É da tradição do direito brasileiro a concessão de indulto e comutação de penas por meio de decreto presidencial, o qual, de ordinário, tem lugar no Natal. Os institutos em referência nem sempre encontram boa acolhida diante da tendência de maiores rigores penais.
No entanto a ninguém é dado desconhecer a situação de nossas prisões. Elas não atendem nem sequer às exigências da Constituição do Império. Predomina uma visão reacionária, que conduz à involução no campo da execução penal.
Na realidade, é um contexto de inexecução penal ou de excesso de execução ou de desvio de execução. Impossível alcançar quaisquer metas de recuperação de presos. Desnecessário falar das taxas de reincidência ou das violências no cárcere. Isso sem falar dos presos em delegacia policial.
Sensível a tal contexto, o presidente da República, recentemente, editou indulto de caráter condicional, supondo-se que muitos seriam beneficiários da medida.
O que se verificou foi que os benefícios acabam sendo extremamente ineficazes para minimizar os malefícios da prisionalização, a alterar a estrutura mental e psicológica dos encarcerados.
A lei penal cumpre papel seletivo, majorando as punições em face da maior gravidade das infrações, cabendo ao juiz, de acordo com a culpabilidade do réu, determinar a pena. Todos os internos do sistema penal já foram alcançados pelo juízo de reprovação, maior ou menor, em razão dos respectivos julgamentos.
Assim sendo, sustenta-se -para o decreto anual de indulto- que a medida alcance todo o universo carcerário, sem que se proceda a novo julgamento daqueles que já foram julgados.
Se a distinção, quanto às condutas criminais, já se fez no catálogo legal dos delitos, não parece ser conforme o direito continuar discriminando entre aqueles que receberam, por comportamentos desiguais ou dessemelhantes, penas diferenciadas.
Por tudo isso, os benefícios excludentes representam duplo julgamento do réu, ou mesmo uma condenação para o resto da vida, sempre fora dos contornos do devido processo legal. À vista da perspectiva do indulto, seria de bom uso que não se discriminasse, até porque as penas que lhes foram aplicadas subordinaram-se ao princípio da individualização.
Convém, em passo seguinte à medida de indulto condicional, dar seguimento à louvável iniciativa, contemplando-se, no benefício natalino, quando positivado no decreto de estilo, todas as pessoas que estejam presas no país, desde que satisfaçam os requisitos de bom comportamento e o tempo de pena já cumprido.
Dessa forma, muitas das agruras do cárcere serão minimizadas ou até suportadas em razão da perspectiva de reconstrução do ser humano atingido pela pena criminal.
As misérias do processo criminal, citadas por Carnellutti, hoje nada mais representam diante da inópia que timbra nosso sistema carcerário, em que vicejam a inexecução, o excesso e o desvio não apenas da sanção cominada pela lei, mas sobretudo da decisão judicial, agravada pela desumanidade e insensibilidade em sua aplicação.

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