São Paulo, quinta-feira, 22 de agosto de 1996
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Impróprio para menores

MOACYR SCLIAR

O segredo para subir na vida? Em meu entender, resume-se em duas palavras: começar cedo.
Veja o meu caso. Sabe que idade eu tinha, quando peguei o meu primeiro trabalho? Onze anos. E parecia ter menos. Veja aqui, numa notícia daquela época, que eu guardei como recordação: "Garoto que aparentava ter 10 anos ajudou dois homens a assaltar agência no Itaim". É, o meu trabalho foi esse. Assaltei um banco. Coisa perigosa, eu podia ter morrido num tiroteio.
Mas logo depois corrigi esse equívoco. Eu era maluquinho -mas não era burro, como você verá. Logo depois do assalto, fomos para um lugar seguro e fizemos a divisão do dinheiro. Teoricamente eu teria direito a um terço dos R$ 83 mil, mas recebi muito menos do que isso: os safados alegam que eu era menor e que tinha de receber uma quantia proporcional à minha idade. Não disse nada, mesmo porque eles estavam armados. Mas prometi que um dia me vingaria.
Apesar da sacanagem deles, recebi uma boa bolada. Outro teria gasto a grana em coca, em heroína, ou teria comprado roupas, tênis, essas coisas. Mas eu já pensava no futuro. Sabia que tinha que investir bem o dinheiro.
Procurei um conhecido, um homem que entendia de mercado financeiro, menti que tinha ganho uma herança. Ele me orientou tão bem, que em pouco tempo meu capital dobrou. Continuei investindo ao longo dos anos, comprei uma loja, em seguida mais outra, e logo um prédio, e depois terrenos... Hoje, 15 anos depois, estou milionário. O assalto é apenas uma lembrança do passado. Os dois safados? Ah, estão atrás das grades há muito tempo. Um bilhetinho anônimo que mandei à polícia ajudou muito nisso.
Minha última aquisição, como o senhor deve saber, foi um banco. É um pequeno banco, mas estou seguro de que vou transformá-lo numa grande instituição. Administrada à minha moda e, naturalmente, de acordo com minhas manias. Uma das regras é a seguinte: meninos aparentando 10 anos ou menos não podem entrar, a não ser acompanhados dos pais ou responsáveis. Não é preconceito, não. É que eu acho banco o tipo do negócio impróprio para menores.

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