São Paulo, quinta-feira, 22 de agosto de 1996
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Oscar faz do singelo o ideal do brasileiro

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DE CINEMA

Oscar Schmidt encarna hoje um ideal de homem brasileiro. Talvez o menos óbvio e o mais surpreendente dos ideais. Mas ficou claro no "Roda Viva" da segunda-feira (na TV Cultura) que Oscar já transcendeu amplamente a condição de atleta, cestinha ou mesmo gênio do basquete.
Está certo que seus feitos de repente deixaram de ser conhecidos pelo grupo relativamente pequeno de pessoas que seguem esse esporte: os mil pontos em Atlanta, as homenagens do Dream Team -tudo isso conta.
Mas Oscar falando, ao vivo, desmentia a imagem de mero gênio das quadras. É um homem simples, mas não dessa simplicidade que conhecemos em Pelé ou Emerson Fittipaldi, por exemplo, excessivamente permeada pela intimidade com a mídia e que nos impede de saber direito o que é marketing e o que é verdade na coisa.
Oscar tem um tanto de caipira -como quer FHC-, mas não lhe falta vivência internacional. É capaz de, um dia, reduzir Scottie Pippen a pó de traque e, dias depois, fazer cestas na Disneylândia só para deixar o filho feliz.
Seus pontos de vista podem ser singelos, mas não se confundem com observação rasteira das coisas: quase sempre ele parece se guiar pelo bom-senso e, mesmo quando se comporta como um simpático brucutu (quando diz, por exemplo, que "graças a Deus" não há homossexualismo no basquete), não existe aí nenhum sinal de intolerância.
Há em Oscar determinação, vontade e capacidade de vencer (por seus méritos); uma humildade que amesquinha seus méritos, mas percebe que todo valor individual é sempre limitado, e de que um homem nunca é mais do que um homem.
Sentimos nele um homem apaixonado pelo que faz. Não é a glória o que mais conta, e sim o desenvolvimento de suas aptidões, o prazer com o que faz, a beleza que pode criar com seus arremessos.
Fosse o basquete um jogo secreto, está claro que Oscar continuaria a praticá-lo; se não rendesse dinheiro, ainda assim estaria na quadra.
Então, estamos bem mais do que à frente de um Ruy Barbosa da linha de três pontos.
Mesmo quem seja incapaz de perceber o que se passa numa quadra de basquete sabe que esse jogo funda-se sobre a impossibilidade da perfeição. Nem o mais iluminado arremessador costuma ter índice superior a 50% de acertos. Nenhum marcador pode conter indefinidamente o atacante.
E Oscar falando é isso: a voz da imperfeição, da necessidade de aperfeiçoamento, do trabalho contínuo, do caráter para driblar a adversidade que pudemos ver na TV.
É possível que a sólida frieza com que o Brasil recebeu a medalha olímpica de bronze no futebol deva-se menos ao resultado do que ao fato de estarem ali detectados alguns insistentes vícios nacionais (da empáfia ao desperdício). Esse bronze contém nossos passado e presente, no que têm pior.
Oscar, ao contrário, com seu módico sexto lugar, nos remete ao futuro. Chega a ser espantoso: quando o maior cestinha brasileiro deixa a seleção, não fica a sensação de derrota. Dá para pensar que, um dia, com integridade, se chega lá.

Hoje, excepcionalmente, não publicamos a coluna de Matinas Suzuki Jr.

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