São Paulo, quinta-feira, 22 de agosto de 1996
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Movimento punk ganha cidadania americana

PATRICIA DECIA
DE NOVA YORK

O punk nasceu em Nova York, mais precisamente no East Village, em algum momento do início dos anos 70. É isso que Legs McNeil, 40, e Gillian McCain afirmam com todas as letras no livro "Please Kill Me", que deve ser lançado em breve no Brasil.
McNeil, jornalista de música há mais de 25 anos, ainda mora no bairro. Ele é um dos fundadores da revista "Punk", lançada em 1975, que teria dado nome ao movimento. O primeiro número trouxe entrevista com Lou Reed realizada na casa noturna Max's, onde muitas bandas do período, como o New York Dolls, começaram.
Amigo dos Ramones, conhecendo de perto Iggy Pop e Richard Hell, McNeil pode ser tudo, menos bonzinho. Em entrevista à Folha, ele praguejou contra a MTV, o rock e os jovens norte-americanos. Mas nem tudo é alvo de críticas. O ex-punk se regozija com duas das mais comentadas voltas do ano: a reunião dos Sex Pistols e a heroína.
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olha - Qual era a diferença do que aconteceu em Nova York e na Inglaterra?
Legs McNeil - O movimento em Nova York era mais literário e menos moda do que na Inglaterra. Éramos apenas pessoas espertas que gostavam e faziam rock'n'roll. Quando vendemos os direitos do livro para a Inglaterra, os editores tiveram uma reação do tipo: "Como eles puderam escrever isso! Que o punk começou nos EUA", mas ninguém desmentiu a tese. É só ler o livro, está tudo lá.
Folha - O que você acha dos Sex Pistols e da volta da banda?
Legs McNeil - Nós sempre tivemos ciúmes porque eles estavam roubando nosso trovão. Se eles fossem uma banda porcaria montada pelo Malcolm MacLaren, não teria funcionado. O que foi mais insultante é que eles eram ótimos. Os Pistols só fizeram o punk mais comercial e um grande sucesso. A bandas americanas nunca venderam. Ninguém queria os Ramones. Eles se apresentarem de uma maneira que a mídia pôde vendê-los. O disco novo dos Pistols é ótimo. É um saco esse papo de que eles voltaram por causa do dinheiro. Todos tocam por causa do dinheiro.
Folha - O que acha dessa volta do punk rock à mídia?
McNeil - Todos nós continuamos trabalhando esse tempo todo. Se as pessoas não notavam, não é culpa nossa, OK?
Gillian - As pessoas querem ouvir algo bom, e então vão ouvir coisas feitas no passado. Todo mundo está de saco cheio da MTV e faminto por autenticidade.
McNeil - A MTV acabou com o rock. Qual o significado de um vídeo com garotas dançando, corte e closes? Nenhum. Rock costumava significar alguma coisa. Além disso, ninguém aguenta mais essas bandas alternativas. É uma piada. Eles apenas dizem não. Ninguém diz fume, tome drogas, faça o que quiser. É um bando de gente estúpida, sendo estúpida.
Folha - Quem faz bom rock'n'roll hoje?
McNeil - Ninguém. A última boa banda de rock foi o Nirvana. Para fazer bom rock você tem que estar insano e você tem que ser um marginal. Todo mundo se importa mais com suas carreiras do que em fazer algo interessante. Apenas os medíocres fazem música hoje. Bom rock faz você ter vontade de sair e roubar um carro, e, quando ouço música de hoje, a única vontade que me dá é voltar a dormir.
Folha - O que você acha da volta da heroína?
McNeil - Acho ótimo. Quando o crack dominava a região as pessoas não pareciam estar se divertindo tanto, eles eram malucos. Agora, com a volta da heroína, você encontra junkies em qualquer esquina e as pessoas estão se divertindo. As pessoas dormem em vez de roubar. Eu gosto. É lógico que há sempre o risco. Eu não uso drogas há dez anos. Usei muito, por 20 anos, mas não quero morrer.

LEIA MAIS sobre o movimento punk à página 4-6

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