São Paulo, quinta-feira, 22 de agosto de 1996
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Grupo renova 'Sonho' de Shakespeare

MARIO VITOR SANTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

"Sonho de uma Noite de Verão" é a história de amores desencontrados. Como diz o personagem Bottom, quem procurar explicar esse sonho não passará de um asno. É um risco enorme.
Mas a companhia Northern Broadsides, liderada pelo experiente diretor e ator Barrie Rutter, arrisca algumas pistas.
A encenação da companhia ocorre em um ambiente em que os poucos elementos fixos, permanentes, são bancadas de artesãos, dessas talvez muito comuns, inclusive hoje em dia, nas cidades do norte inglês, de onde o grupo se origina.
Atenas, onde metade da ação se dá, não tem colunas, a floresta não tem árvores e os atores não usam vestes gregas, mas roupas neutras, de uma época qualquer.
Os únicos personagens de uniforme identificável são os trabalhadores.
Não existe, também, a atmosfera onírica convencional das encenações de "Sonho de uma Noite de Verão".
Além disso, a dicção do texto shakesperiano vem com uma inflexão renovadora.
Onde a norma teatral impôs um falar londrino e cortesão, surge um sotaque inesperado, uma opção nortista, popular e regional. Love vira "luv", much é "múúch".
O Northern Broadsides encena Shakespeare com a altivez de compenetrados artesãos.
Entre a ordem desencontrada de Atenas e o caos da floresta, este "Sonho de uma Noite de Verão" adota um terceiro caminho: prefere a disciplina amistosa das oficinas, reino de personagens nem sempre valorizados em outras encenações, como Bottom, Prince, Snug, Snout e Flute.
Essa tríade é, aliás, coerente com a estrutura triangular que permeia os desentendimentos amorosos da peça.
Hermia ama Lisandro, mas vai se casar com Demetrio, alvo do amor não-correspondido de Helena. Titania irrita-se por julgar que Oberon tenha se envolvido com outra.
Quando entidades sobrenaturais tentam consertar a situação, as coisas se embaralham ainda mais.
Sob essa concepção de teatro como oficina, a simplicidade da representação se alia a uma técnica à altura da melhor tradição britânica.
Todos os elementos se voltam para um objetivo primordial, deixar o texto, e quase que só ele, fluir, mesmo que isso acarrete uma tendência à movimentação mecânica dos atores e à monotonia.
Nestes, a virtude maior não é a garra, compensada pelo extremo rigor nos fundamentos.
No elenco, as interpretações de Julie Livesey, deliciosamente expressiva como Helena, e Peter Gunn, impagável como o enfeitiçado Bottom, são fundamentais para o clima despretensioso em que a ação acontece.
Shakespeare pôs na idílica floresta o caos renovador e salvador para a crise da ordem patriarcal na pólis ateniense.
Fiel a ele, o Northern Broadsides traz, das matas do norte inglês, elementos singelos que renovam a voz do bardo.

Peça: Sonho de uma Noite de Verão
Onde: teatro Sesc Pompéia (r. Clélia, 93, tel.871-7700)
Quando: hoje (última apresentação), às 21h
Quanto: R$ 25

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