São Paulo, sexta-feira, 23 de agosto de 1996
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Predação florestal

AUGUSTO MARZAGÃO

Empresas madeireiras asiáticas, agora instaladas no Brasil, estão investindo alguns milhares de dólares na aquisição de vastas extensões de terra na floresta amazônica, em especial no Estado do Amazonas. As áreas adquiridas ou arrendadas já somam milhões de hectares. Cada hectare equivale a 10 mil metros quadrados, mais do que um campo de futebol com as dimensões oficiais máximas. Pois uma única empresa asiática comprou, de uma só tacada, 1,5 milhão de hectares.
O fato poderia até ser alvissareiro se as madeireiras da Ásia tivessem tradição de explorar as reservas naturais de forma sustentável e respeitando o meio ambiente. Entretanto não é o caso.
Se não nos acautelarmos, veremos repetir-se aqui a mesma devastação que essas empresas promoveram nas florestas tropicais asiáticas. Trata-se de um desafio posto diante de todas as responsabilidades brasileiras: desde as das autoridades detentoras do poder de fiscalizar e proibir até as do cidadão comum.
Habituamo-nos, nos últimos anos, à idéia de que o nosso país é o vilão mundial do meio ambiente. As críticas e denúncias internacionais infundiram-nos uma consciência de culpabilidade ecológica. Fomos condenados sem provas e aceitamos passivamente o julgamento de conveniência armado lá fora.
A realidade, todavia, conta uma história bem diferente. Não há termo de equivalência entre a magnitude dos estragos ambientais que as madeireiras vêm causando na Ásia e a resultante do corte de madeiras e da derrubada de capoeiras pela agricultura migratória na Amazônia.
O abate da floresta amazônica, no Brasil, não passa de 1.500 hectares por dia, enquanto a devastação de florestas tropicais, em escala mundial, atinge 46 mil hectares. Isso mesmo: 50 mil Maracanãs por dia. As madeireiras asiáticas estão entre as campeãs dessa perversa competição contra a natureza.
Há poucas semanas, o presidente da República editou medida provisória que proíbe, temporariamente, o corte e o comércio do mogno e da virola, duas madeiras nobres extraídas na Amazônia e muito valorizadas no mercado mundial. O governo se antecipou, assim, a recomendações que provavelmente adviriam da próxima reunião da Organização do Comércio Internacional de Madeiras. O mogno e a virola já podem ser consideradas espécies em vias de extinção no território nacional.
E por que devemos proteger a floresta? A pergunta continua sendo necessária, pois ainda existe entre nós quem julgue a defesa ambiental um entrave ao desenvolvimento, à geração de emprego e de renda.
Tais resistências justificam rebater na tecla de que a conservação dos recursos naturais constitui um imperativo em benefício do avanço econômico e do próprio homem em suas múltiplas necessidades. No caso da floresta tropical, está em foco um reservatório inestimável de recursos genéticos que a natureza levou milhões de anos para acumular. A utilização sem cuidados ecológicos destrói parte considerável desse tesouro. Por isso, a palavra de ordem é explorar dentro dos parâmetros conservacionistas. Ou seja: extrair, mas ao mesmo tempo repor, ajudar a floresta a se regenerar após cada extração.
Estudos recentemente realizados pela Embrapa demonstram a plena possibilidade da exploração nesses termos metódicos e recriadores. Além disso, os experimentos de campo da entidade governamental comprovam ser mais econômico promover o chamado manejo sustentado, porquanto a floresta remanejada recupera-se na metade do tempo gasto nos processos tradicionais e acaba produzindo o dobro de madeira nobre, para uma segunda extração. Em síntese, a floresta racionalmente trabalhada torna-se quatro vezes mais produtiva do que a simplesmente assolada.
Eis porque não se deve ter dó nem piedade na fiscalização e punição dos agentes predadores. É para o bem de todos nós, dependentes dos bens e do manto protetor da natureza. Dependência que inclui aqueles próprios que a desrespeitam e agridem.

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