São Paulo, sexta-feira, 23 de agosto de 1996
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Banho de base

VICENTE PAULO DA SILVA
HOJE ESTOU NA FÁBRICA.

A nossa Central Única dos Trabalhadores, desde o seu congresso de fundação (em 28/8/83), nos dá alguns princípios que são fundamentais para sua existência, como liberdade e autonomia sindical, um sindicalismo classista, democrático, de massas, entre outros. Há um princípio, no entanto, que é importantíssimo: a CUT é uma central com atuação de base; isto é, uma atuação junto, muito próxima, aos trabalhadores. Isso é extremamente importante e não pode ser somente discurso, deve e precisa ser prática.
Ao ser eleito presidente da CUT, com outras tarefas não diretamente ligadas somente às fábricas dos metalúrgicos do ABC (sindicato do qual tive a honra de ser presidente), resolvi introduzir como prática a manutenção do meu trabalho profissional dentro da fábrica.
Mesmo sabendo das dificuldades da minha agenda (às vezes viagens internacionais, muitas viagens nacionais, muitas atividades no Brasil todo), visto meu macacão, minhas botas, enfim, meus equipamentos e vou trabalhar com meus companheiros, como qualquer outro trabalhador. Minha agenda, evidentemente, não permite que eu fique tempo integral na fábrica, mas tenho que garantir no mínimo um dia por mês (já aconteceu de ficar uma semana).
Quero dizer que essa experiência é extremamente positiva. É verdade que tive que fazer uma readaptação. A preocupação com a qualidade está cada vez mais presente, mas nossa profissão, de inspetor de qualidade, passa por profundas transformações.
A atuação na base é uma necessidade. Uma central sindical que tenha seus dirigentes estreitamente ligados aos trabalhadores terá vida longa e estará sempre afinada com os interesses de seus representados.
As mensagens que devemos dar ao Brasil devem estar profundamente associadas ao pensamento dos trabalhadores. Por exemplo, apesar das polêmicas, tive tranquilidade ao defender nossas propostas no caso da previdência social, pois sabia e sentia dos trabalhadores, com quem eu me relacionava cotidianamente, seu apoio, suas preocupações e, mais ainda, sua visão pragmática.
Mas o mais importante é o enraizamento. Nós precisamos ver o trabalhador, ouvi-lo, e essa experiência é extremamente gratificante. Quando termina o dia, e vamos para casa cansados, estamos com a cabeça aliviada -a gente "distensiona", pois o trabalhador em geral é alegre; na hora de ir à luta, vai à luta, mas gosta de fazer piada, brincadeiras e tem cada apelido! E isso me faz muito bem, porque na luta sindical nos deparamos com momentos tensos.
A reciclagem profissional também é muito importante para mim (acompanhar a modernização, as mudanças nas formas de produção). E quero me confessar assustado: a Mercedes-Benz está produzindo cada vez mais caminhões com menos gente.
É fundamental para o dirigente sindical aprender com os trabalhadores. Às vezes são coisas simples. Um dia, por exemplo, os companheiros me chamaram e falaram: "Vicentinho, você, quando vai à Brasília ou na televisão, tem que se vestir melhor". Olhei surpreso, e eles completaram: "Se não puder comprar um paletó, vamos fazer uma vaquinha aqui na fábrica...".
Na viagem seguinte que fiz a Brasília, adquiri o paletó. Quando voltei à fábrica, os mesmos que pegaram no meu pé disseram-se "orgulhosos por ter um representante à altura, bem vestido, com dignidade, conversando com o presidente da República". Uma coisa simples, porém importante. Um assessor ou um colega de direção dificilmente me daria essa dica. Mesmo porque, sejamos sinceros, eu não ando tão mal-amanhado -Roseli que o diga!
Um dirigente não pode ficar somente nas altas cúpulas, senão corre o risco de perder a representatividade. Muitas vezes, o discurso que faz nem sequer é entendido pelos trabalhadores. É o erro do "cupulismo" sindical, um erro que devemos combater.
O movimento sindical precisa preparar-se para o futuro. O neoliberalismo tenta cada vez mais mostrar que os sindicatos não são importantes. Membros do governo e do empresariado fazem campanha contra a organização sindical, e às vezes cometemos erros que só alimentam essa campanha.
O sindicalismo do futuro pressupõe, portanto, competência, e para isso é necessário saber o que pensam os trabalhadores. Tem que ser inteligente, ter força e garra e, para isso, tem que estar lado a lado com sua própria base. Eu pensava, inicialmente, em ficar um ano na fábrica, e já vai fazer dois que estou lá. E pretendo continuar.
Os sindicatos que fazem a luta cotidiana, com garra e combatividade, não podem ser sindicatos só da porta do local de trabalho, têm que estar inseridos no local de trabalho.
Uma árvore quanto mais enraizada mais forte será. O ditado popular diz: "Se conselho fosse bom, ninguém dava". Mesmo assim, companheiros (as) sindicalistas, é de bom alvitre seguir o conselho da CUT.

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