São Paulo, sábado, 24 de agosto de 1996
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Obra acaba em ponto final

NOELLY RUSSO
DA REPORTAGEM LOCAL

Ler um livro que, depois de ter terminado, deixa mais dúvidas e perguntas do que as existentes antes de ter sido aberto é uma das situações em que se vê o leitor de "O Testamento do Sr. Nepomuceno", do autor cabo-verdiano Germano Almeida, 51.
É uma daquelas obras que literalmente terminam com um ponto final. E não adianta perguntar a Almeida. "Não tenho idéia do que acontece", diz.
"Testamento" foi escrito, segundo Almeida, em 15 dias como presente de aniversário a uma amiga. Traz a história póstuma de Nepomuceno da Silva Araújo, que faz de seu testamento uma autobiografia, e surpreende a família, os advogados e a sociedade da ilha de São Vicente, uma das sete que formam Cabo Verde.
O livro virou filme, com roteiro de Mario Prata e os atores brasileiros Nelson Xavier e Zezé Motta, nos papéis principais. Estréia em Cabo Verde em dezembro deste ano.
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Folha - "Testamento" tenta ser uma obra que mostre Cabo Verde como nação independente de Portugal?
Germano Almeida - Não houve essa intenção. Mas, sim, o livro mostra Cabo Verde, principalmente o morador de São Vicente, fora dos temas tradicionais do país: seca e miséria. Cabo Verde é todo uma mistura de campo e cidade, mesmo dentro das cidades. Eu fui criado nas cidades, nem saberia falar sobre o campo.
Folha - "Testamento" lembra o Machado de Assis...
Almeida - Sim, já me disseram isso. Mas não li ainda.
Folha - O bom-humor e a crônica fazem a diferença entre seus livros e os de outros escritores cabo-verdianos.
Almeida - O bom-humor é a marca registrada do cidadão de Cabo Verde, especialmente em São Vicente, onde se passa a história de "Testamento". Quanto à crônica, sempre procuro contar histórias que ouvi de outras pessoas em meus livros. O que provoca um efeito interessante: todos em Cabo Verde tentam adivinhar quem inspirou o personagem.
Folha - Isso acontece em "Testamento"?
Almeida - Como não? Falavam de pessoas quem eu jamais conheci, que já haviam morrido. O personagem Nepomuceno não é uma pessoa, é um protótipo. É o comerciante típico de São Vicente.
Folha - Ele parece brasileiro em alguns aspectos...
Almeida - Com certeza. Aliás, os cabo-verdianos consideram o arquipélago muito semelhante ao Brasil. Dizem que Cabo Verde lembra o Rio.
Folha - Nepomuceno é um malandro: faz contrabando para não pagar impostos, consegue ter grande lucro com uma chuva avassaladora, só diz o que pensa sobre os outros e conta segredos de sua vida depois de morto.
Almeida - Não acho que Nepomuceno teve a intenção de fazer assim. Quer dizer, sim, é muito cabo-verdiano manter as aparências de uma vida regrada, mas quando se vê além das aparências, percebe-se que há outra escala de valores.
O personagem não é diferente. Todos achavam que ele era casto e no testamento confessa ter uma filha. Mas como todo bom cabo-verdiano não premedita, não é algo mafioso, nem pretende o mal dos outros. Tenta fazer as coisas de uma maneira mais simples.
Folha - Por que deixar a vida dos personagens abertas?
Almeida - Porque não havia mais o que escrever. Veja, o personagem principal começa morto. Não se pode mudar isso. Ele conta sua vida em testamento. Quando sua vida encontra o momento de sua morte, acabou-se.

Livro: O Testamento do Sr. Nepomuceno
Autor: Germano Almeida
Preço: R$ 19

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