São Paulo, domingo, 25 de agosto de 1996
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A fraude do Nacional

CELSO PINTO

Quem acompanhou tecnicamente a autópsia das contas do Banco Nacional ficou impressionado com dois aspectos: a sofisticação do esquema de fraudes e o número pequeno de pessoas capazes de operá-lo.
Os detalhes provavelmente só serão conhecidos quando o inquérito policial terminar. Auditores que acompanharam o post-mortem do Nacional, de todo modo, constataram a engenhosidade da montagem da contabilidade paralela que permitiu ao Nacional operar bilhões de reais em empréstimos fictícios, durante anos, sem serem detectados pela linha normal de operação do banco, do gerente da agência a dirigentes da área de crédito.
Um técnico que acompanhou o processo calcula que não mais do que cinco pessoas, espalhadas em algumas áreas cruciais no processamento de informações do Nacional, seriam capazes de operar a fraude durante tanto tempo. Considerando que o Nacional era o quinto maior banco do país quando quebrou, provoca um frio na espinha imaginar a facilidade com que uma instituição desse tamanho foi capaz de burlar o BC, o público e muitos administradores.
Os empréstimos fictícios engordavam os resultados contábeis do banco escondidos em contas de depósitos e eram sistematicamente rolados. Mortal, para esse esquema, foi a criação, pelo Banco Central, de um recolhimento compulsório sobre empréstimos. A partir daí, o Nacional teve de arranjar dinheiro de verdade para recolher aos cofres do BC sobre empréstimos imaginários, o que foi apertando a liquidez até a morte. Sem os compulsórios sobre empréstimos, é possível que o Nacional tivesse ainda uma sobrevida.
Acerto estadual
Existe luz no fim do túnel das negociações dos Estados com o governo federal em torno da sua dívida mobiliária (em títulos), de R$ 40,5 bilhões em julho, dos quais R$ 29,6 bilhões foram assumidos, temporariamente, pelo BC.
Sem acertar essa dívida, que cresceu 138% desde o início do Plano Real, graças aos juros astronômicos, mesmo os Estados mais bem comportados não conseguirão colocar em dia suas contas. Nem ter acesso a mais de US$ 1 bilhão em empréstimos que o Banco Mundial está disposto a negociar com alguns Estados para ajudar a reestruturação.
Por exemplo: US$ 300 milhões para o Rio, US$ 300 milhões para Minas e US$ 150 milhões para o Rio Grande do Sul, além de US$ 50 milhões ao Mato Grosso e talvez algo para Sergipe. O dinheiro virá se os Estados se dispuserem a vender seus bancos estaduais, segurar as despesas de pessoal e se Brasília estiver disposta a acertar a dívida mobiliária, algo crucial para São Paulo, Rio, Rio Grande do Sul e Minas. Outros empréstimos viriam depois.
Pedro Parente, secretário-executivo da Fazenda, diz que a negociação sobre a dívida mobiliária está avançada, sem dar detalhes. São Paulo está fora das negociações com o Banco Mundial, por sua obsessão em manter o Banespa.
Se quiser vender o Banespa, de todo modo, o governo paulista terá espaço para pechinchar em Brasília. A MP dos bancos estaduais cria uma regra rígida para os Estados que querem manter seus bancos: pagar pelo menos metade em ativos. Para quem aceita abrir mão do controle, a MP prevê o refinanciamento de 100% das dívidas pelo governo federal e, propositadamente, não define os termos.
"Cada caso é um caso", explica Parente. O que quer dizer que há flexibilidade para discutir prazos e termos, no caso da transferência de controle. No momento, contudo, não há ninguém em Brasília se ocupando de Banespa, nem interlocutores em São Paulo dispostos a fazer um lance.
As contas dos Estados e municípios se deterioraram, de um déficit primário de 0,18% do PIB em 95 para 0,85% acumulado até julho deste ano. Parente argumenta que parte da deterioração veio da absorção, nos resultados deste ano, de atrasos nos pagamentos de pessoal e fornecedores, acumulados no ano passado. Enquanto atrasos, eles não entram nos critérios das contas do déficit. Quando são pagos, engordam o déficit.
A situação contábil piorou, mas o governo federal tem aproveitado a complicação das finanças estaduais para avançar os programas de privatização e contenção de despesas, um esforço reconhecido pelo Banco Mundial. Com isso, lembra Parente, o sistema elétrico estadual poderá acabar o governo Fernando Henrique inteiramente privatizado. O que era inimaginável até recentemente.

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