São Paulo, domingo, 25 de agosto de 1996
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Mercado de arte sente o aperto pós-Real

GABRIEL J. DE CARVALHO
DA REDAÇÃO

Um palavrão do jargão econômico, a iliquidez, é o que mais se ouve hoje em dia de profissionais que lidam no Brasil com o mercado de arte -elitizado por tradição.
O setor sente de perto o aperto financeiro que marca a segunda fase do Real. Falta disponibilidade de dinheiro (liquidez) entre as camadas sociais de renda mais elevada para movimentar o mercado.
A euforia pós-plano criou a expectativa de que o mercado de arte -restrito a colecionadores e gente rica- teria chances de se expandir. Mas a crise do dinheiro curto alcançou não só a classe média, que poderia trazer fôlego ao setor, mas também a classe alta, que sempre sustentou esses negócios.
"Ninguém tem um tostão. Nunca vi isso. A dose do remédio é brutal", desabafa o marchand Raul Forbes, que no ano passado faturou US$ 1,3 milhão com o quadro "Abaporu", de Tarsila do Amaral.
Forbes ressalva, porém, que a paradeira é na área de obras correntes, de artistas que despontam, mais dependentes do comprador classe média, que se inicia em arte ou quer decorar a casa. Na Bolsa, seriam ações de 2ª ou 3ª linha.
O segmento de 1ª linha, ou seja, obras mais caras, de autores consagrados, muitos já mortos, não foi atingido, diz ele.
Embora fora desse mercado, o consultor Paulo Possas, da PJ Possas Gestão de Patrimônio, lembra que "empresários estão vendendo até suas empresas".
Horst Zander, que trabalha com antiguidades, diz que "muitas pessoas que compraram arte há cinco, seis ou sete anos tentam agora se desfazer delas".
Para a marchand Regina Boni, que trabalha com pintura contemporânea, há dois anos o mercado era bem mais procurado.
"Hoje, está mais parado, e com obras muito caras. Há sempre um mercado comprador para quadros de artistas consagrados, como Baravelli e Tomie Othake", afirma.
Na opinião de Zander, de um ano e meio para cá a classe média A, que antes gastava com arte, saiu do mercado. Embora restrita, a procura se mantém para as artes plásticas mais caras, diz ele, concordando com Forbes.
"O que vejo é um mar de lamúrias. Se descontar 50%, ainda é muita lamúria. As épocas de vacas gordas se foram", diz Zander.
Visão mais otimista
O marchand Renato Magalhães Gouvêa, que trabalha com espectro amplo, de pintura e escultura a prata e tapetes, talvez por isso não compartilhe de tanto pessimismo.
Mas a maior procura, admite, continua sendo por peças de grande qualidade. No Rio, afirma, negócios recentes com Portinari e Di Cavalcanti demonstram que o mercado está ativo.
Na última segunda-feira, relata Gouvêa, um leilão de peças doadas para ajudar o Masp, em São Paulo, teve a presença de 300 pessoas.
Zander já tem opinião diferente. Os leilões que tem frequentado, mesmo um com carro de Senna a quadros de Benedito Calixto e Aldemir Martins, "não vão bem".
Nem crise, nem 'boom'
Pedro Corrêa do Lago, representante da galeria Sotheby's no Brasil, confessa estar mais ligado ao mercado internacional, mas afirma não estar vendo, no Brasil, crise ou fase excepcional no setor.
"Como arte não chega a ser mercado no Brasil, basta que duas ou três pessoas façam compras significativas para dar a impressão de que o movimento está bom. Da mesma forma, se alguém vai à falência e procura vender peças, pode passar idéia contrária."
"Sinto muito gente interessada, mas compra, mesmo, está difícil", confessa, lembrando que trabalha mais com gravuras e livros raros.
Rachel Arnaud tem opinião mais próxima à de Magalhães Gouvêa.
O colecionador ficou muito tempo sem comprar, lembra ela. Agora, aumentou o interesse em geral, o que, segundo ela, pode estar relacionado aos juros mais baixos nas aplicações financeiras.
Mesmo as pessoas que compram arte por prazer querem ter alguma certeza de que mais tarde, se desejarem revender, não perderão dinheiro. E é esta sensação que parece ter voltado, diz Rachel.

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