São Paulo, domingo, 25 de agosto de 1996
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É bom para os EUA e ótimo para o Brasil

GILBERTO DIMENSTEIN

Depois de revolucionar o jornalismo na televisão, casar com a atriz Jane Fonda, sonhar em ser o homem mais rico do mundo e presidente dos EUA, Ted Turner, criador da rede de televisão CNN, parece ter lançado sua candidatura a Jesus Cristo -e usa o Brasil como exemplo.
Dizendo-se espantado com as manchas de pobreza e violência em seu país, Turner pretende criar uma nova lista, a ser divulgada com estardalhaço pela imprensa: a lista dos milionários que mais doaram dinheiro.
Não seria, segundo ele, apenas um gesto de caridade, mas de autopreservação da espécie. Os ricos americanos, em sua opinião, estariam ameaçados, no futuro, de virar ricos brasileiros, cercados de guarda-costas em casas que parecem fortalezas, apavorados com sequestros e assaltos.
Registro: o próprio Turner, com o patrimônio de US$ 3 bilhões, já doou US$ 200 milhões.
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Ao justificar a lista dos maiores doadores, Ted Turner faz uma deliciosa incursão na psicologia do milionário.
Afirma que o milionário tem um pesadelo: ficar de fora da lista dos homens mais ricos publicada pela revista "Forbes". Ao perderem posição, eles se sentiriam com patrimônio semelhante ao de um menino de rua da praça da Sé.
Como não querem parecer decadentes, eles deixariam as doações para depois que estiverem enterrados ou velhos.
A publicação das doações serviria como compensação para a vaidade.
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Num tom sério, ele chega a propor que se todos fizessem doações ao mesmo tempo, ficariam menos milionários, mas não veriam seus nomes deslocados na revista "Forbes".
Com essa proposta, Turner se reuniu com Bill Gates (US$ 16 bilhões) e Warren Buffet (US$ 12 bilhões), tentando convencê-los a assinar um cheque de US$ 1 bilhão.
No Brasil, certamente seria chamado de maluco. Ele, entretanto, saiu do encontro com a impressão de que sensibilizou os dois americanos mais ricos.
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Não foi chamado de maluco pelo simples motivo de que a responsabilidade social do empresariado é uma das mais notáveis tradições do país. Não são, obviamente, santos, longe disso, mas revelam um lado generoso e grandioso.
Há um modelo de inspiração. No começo do século, o empresário Andrew Carnegie construiu 1.679 bibliotecas públicas em 1.412 cidades.
Nada parecido com o Brasil, onde a acumulação de capital e transgressão legal sempre conviveram no limite. Ainda pagamos pela exploração dos portugueses combinada com a prolongada escravidão -os indianos tiveram pelo menos a vantagem de ser explorados por um país com boas faculdades e uma língua que todos entendem.
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Tenho recebido mensagens pelo e-mail me chamando de desinformado, ingênuo ou tolo quando me mostro otimista em relação ao Brasil; as mulas-sem-cabeça chamam de "governismo".
Um dos motivos do meu otimismo é justamente porque vejo lenta mas consistente mudança na mentalidade subdesenvolvida do empresariado; sem eles, qualquer avanço na agenda nacional vai ser capenga.
Eles estão cada vez menos insensíveis a temas como educação básica e direitos humanos.
Consequência dessa mudança é que a Fiesp tenha empunhado a bandeira contra a violência na campanha Reage São Paulo; empresários do PNBE fazem uma pregação diária pela cidadania e já não são desdenhados.
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A exemplo do Bradesco, o Banco Itaú resolveu se engajar em projetos a favor da educação -graças ao Itaú são feitos os registros das melhores experiências no país.
Isso se deve ao fato praticamente desconhecido de que Maria Alice Setúbal, uma das herdeiras do banco, não desenvolveu paixão pelos negócios, mas por pedagogia popular.
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A câmara do Comércio Brasil-EUA está para lançar um movimento para engajar o maior número de empresários a favor das escolas públicas. Idéia de um brasileiro: Henrique Meirelles, do Banco de Boston.
Cosette Alves promete usar parte do dinheiro que ganhou, ao vender o Mappin, para criar uma fundação.
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Ao lançar pela primeira vez uma campanha publicitária a favor do ensino básico, Emílio Odebrecht e Washington Olivetto fizeram um gol histórico e sinalizaram os novos tempos.
Antonio Ermírio de Moraes, um dos maiores empresários brasileiros, não se cansa de falar que educação deve ser a prioridade nacional. Até pouco tempo, pensava mais em aço e energia.
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PS - Motivo de orgulho. Considerado pelo Unicef e Organização Mundial de Saúde um dos melhores projetos no mundo contra a mortalidade infantil, a Pastoral da Criança, criada por d. Paulo Evaristo Arns, vai ser indicada para Prêmio Nobel da Paz -a indicação é de Perez Esquivel, também Prêmio Nobel.

E-mailGDimen@aol.com
Fax (001-212)873-1045

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