São Paulo, segunda-feira, 26 de agosto de 1996
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Fragmentação é a falha da área social, diz coordenador

OTÁVIO DIAS
DA REPORTAGEM LOCAL

Indignação, perseverança e paciência. São estas as motivações do novo coordenador das políticas sociais do governo federal, Vilmar Faria, 55. Segundo ele, vai demorar para que a atuação do governo na área social mostre resultados.
Indicado para a função há duas semanas, Faria será responsável pela articulação de todas as políticas do governo na área social, distribuídas em vários ministérios.
"A análise da política social do governo mostra que um dos problemas é a fragmentação. Existem políticas superpostas, às vezes em conflito", disse.
Sociólogo, Faria foi aluno do presidente Fernando Henrique Cardoso na Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais, em Santiago, no Chile. Leia a seguir trechos da entrevista à Folha.
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Folha - Desde o início, o presidente tem dito que a área social é prioritária. Mas só há duas semanas o sr. foi indicado coordenador da câmara de política social. Por que a demora?
Vilmar Faria - A câmara vem funcionando teoricamente desde o começo do governo mas, de forma acelerada, a partir de setembro. Quisemos testar como funcionaria a câmara antes de formalizar um procedimento que podia ou não dar certo. Quanto a mim, é a mesma coisa. Já venho exercendo essa função faz algum tempo.
Folha - Por que existe a avaliação de que o governo não tem resultados concretos na área social?
Faria - O aparecimento do que se faz na área social tem uma maturação mais lenta. Por exemplo: o governo vem se empenhando para dar prioridade absoluta ao ensino fundamental. Não se trata de construir mais prédios, mas de melhorar a qualidade de ensino, o fluxo dos alunos, a capacitação dos professores. Vai levar um tempo.
Folha - Como coordenador da política social do governo, o sr. tem pressa?
Faria - Na área social, é preciso ter três motivações: indignação, perseverança e paciência.
Folha - Pressa, não?
Faria - Com indignação, perseverança e paciência, é preciso trabalhar o mais rápido possível.
Folha - O presidente é um homem indignado?
Faria - Fui seu aluno. A motivação de estudar, analisar e enfrentar os problemas sociais brasileiros, recebi dele. Ele é um homem indignado. Sua preocupação com a situação social é permanente.
Folha - Como funciona a câmara e qual sua função?
Faria - O governo adotou este mecanismo de câmaras com o objetivo de fazer com que as diversas ações do governo respondam a objetivos integrados.
No que diz respeito à câmara de política social, existem duas razões que justificam sua existência. Primeiro, a análise histórica da política social do governo federal mostra que um dos problemas é a fragmentação. Existem políticas superpostas, às vezes em conflito. Segundo, num contexto de escassez de recursos, é preciso aumentar a eficácia das políticas.
A câmara é constituída pelos ministros da área social, da Fazenda, do Planejamento e da Casa Civil. Minha responsabilidade é fazer com que as coisas que são discutidas na câmara e que envolvem colaboração entre diferentes partes do governo aconteçam.
Folha - Há o risco de o sr. se chocar com os ministros?
Faria - Não há. Meu papel é de ajudar no sentido de que haja um diálogo maior entre as diferentes partes do governo na área social. A responsabilidade executiva é dos ministros.
Folha - O que diferencia a câmara de política social do programa Comunidade Solidária?
Faria - Estratégico, o Comunidade Solidária é um elenco de programas que tem como objetivo atacar de forma mais imediata e a curto prazo as situações mais agudas de pobreza, fome e indigência.
Já a câmara de política social, na qual o Comunidade Solidária tem assento, tem sob sua responsabilidade o conjunto das ações de política social do governo, que inclui as políticas previdenciária, de saúde, educação etc.
Para se ter uma idéia de proporções, enquanto o gasto do governo na área social é da ordem de R$ 80 bilhões a R$ 85 bilhões anuais, incluindo a previdência, os programas do Comunidade Solidária são da ordem de R$ 3 bilhões.
Folha - Desses R$ 85 bilhões, a maior parte tem destinação certa e não pode ser mexida. Quanto o sr. tem para novos programas?
Faria - O grau de liberdade do Orçamento é muito pequeno. Mas é preciso ter em mente que esse gasto pode ser mais eficiente.
A política social do governo parte de três pressupostos. Em primeiro lugar, é preciso acabar com essa falsa dicotomia entre a chamada política econômica e a chamada política social. As condições de estabilidade macroeconômica são necessárias para que se melhore a situação social. O segundo aspecto é que não é possível manter uma melhoria a longo prazo se não se recuperar a capacidade de crescimento.
Em terceiro, é absolutamente fundamental que se consiga melhorar os serviços sociais básicos de caráter público -previdência, saúde, educação, ações na área do trabalho e do emprego e assistencial social propriamente dita.
Folha - Por que o presidente rejeita a palavra plano, segundo ele, uma coisa ultrapassada?
Faria - Hoje as condições de implementação de programas e políticas no governo são diferentes das condições de funcionamento de governos centrais quando a utilização de planos era usual. O governo federal não é o único implementador de ações. Quase todo programa, em especial na área social, passa por parceria entre governo federal, Estados e municípios. Também é crescente a participação da sociedade civil. Portanto, nos parece mais correto falar em estratégias, metas, objetivos.
Folha - O sr. faz parte do círculo de intelectuais de centro-esquerda que chegou ao governo com a eleição de FHC. Está decepcionado?
Faria - Não. O que acontece é que tinha uma visão voluntarista, de que bastava ter um conjunto de idéias na cabeça. É mais complicado. O Brasil é muito heterogêneo e desigual. E as mudanças institucionais que precisam ser feitas muitas vezes se chocam com interesses constituídos muito fortes.
Folha - A base política do governo é conservadora demais para que se avance na área social?
Faria - Numa sociedade complexa, desigual e heterogênea, é preciso estabelecer uma direção para a transformação que se quer fazer. Mas como a transformação vai se processar é algo que tem que ser negociado, com uma discussão tão esclarecida quanto possível. Acredito que a transformação do Brasil precisa ser feita num contexto de fortalecimento democrático. Agora, privilégios precisam ser vencidos.

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