São Paulo, segunda-feira, 26 de agosto de 1996
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Ficção real

JOSIAS DE SOUZA

São Paulo - A televisão brasileira é como moradia de gente bem-posta. Segue o modelão "Casa-grande e Senzala". A novela está para a área social da casa, assim como o telejornal está para a área de serviço.
O noticiário é o quarto de empregada, o elevador de serviço da televisão. Um espaço de negros e pardos, protagonistas ora de dramas policiais, ora de incêndios, enchentes e massacres.
A novela é diferente. Até sem-terra é loiro, bonito e formoso. Tem a cara da Patrícia Pillar. Negro só entra nessa sala de estar da programação quando o roteiro pede personagem pobre.
No enredo da novela tudo dá sempre certo. O telejornal, ao contrário, respira o imprevisto. A notícia se esconde nas dobras do inusitado.
Eis, afinal, o que gostaria de dizer: o 29 de dezembro de 1992, data em que o "Jornal Nacional" noticiou a morte da atriz Daniella Perez, foi um marco na história da televisão.
O Brasil asséptico das novelas invadiu naquele dia o espaço podre dos telejornais. A Globo virou, na voz de Cid Moreira, personagem de si mesma.
Súbito, irrompeu no telejornal uma novela melhor do que a novela. A realidade como que se imiscuiu na ficção. Daniela ganhara a personagem Yasmin da própria mãe, a novelista Glória Perez. E terminou assassinada por Guilherme de Pádua, seu ciumento namorado na novela.
Nesta quarta-feira, a televisão começa a exibir os últimos capítulos dessa novela real. Guilherme de Pádua será julgado. Dividirá o banco dos réus com Paula Tomaz, sua ex-mulher, acusada de cúmplice.
Guilherme, na verdade, já foi condenado. Migrou da ala social para a área de serviço da TV. Foi aprisionado no horário do "Jornal Nacional".
A condenação judicial apenas formalizará sua expulsão do Éden. E as novelas estarão redimidas. Poderemos voltar a nos concentrar apenas no romance entre Luana e Bruno Mezenga.

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