São Paulo, segunda-feira, 26 de agosto de 1996
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A onça e a água

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - A faina de uma semana difícil impediu-me que assistisse a entrevista do presidente da República ao Jô Soares. Fui descansar um pouco, quando acordei, como nos romances de outras eras, "a noite ia alta", e eu fiquei órfão dos ensinamentos e confidências presidenciais.
No dia seguinte, li os trechos que podem ser considerados os "highlights" do concerto presidencial. Tudo velho, repisado, o nhenhenhém de sempre. Muito articulado sobre o nada, o presidente continua em campanha. Destaco dois pontos:
Disse ele que as frentes-contra-alguma-coisa (no caso, contra a reeleição dele) resultaram em fracassos. FHC acredita que uma frente dessas é contra o Brasil, quando, na realidade, é apenas contra o continuísmo pessoal de um político que a cada dia revela não ter escrúpulos éticos.
Ele, que tanto fala em reformas, deveria saber da existência da única reforma da história: a Reforma. Quando Lutero colocou na porta da catedral de Wittenberg um "não", estava inaugurando o mundo moderno. Como gostava de repetir o Ibrahim Sued, "sorry".
A única novidade da entrevista foi levantada por Jô. Ele pediu ao presidente que se mobilizasse contra a proibição do livro do Ruy Castro sobre Garrincha. Pode parecer assunto menor, mas Jô sabe o que está fazendo.
Evidente que o executivo não deve se imiscuir nem pode alterar uma medida judicial. Mas a mobilização pessoal de um autor (efemeramente na presidência da República) faria os responsáveis pela proibição pensar duas vezes antes de referendar a violência jurídica e cultural.
Louvor e glória ao Jô Soares pela oportuna lembrança. De resto, a entrevista, tecnicamente, foi muito boa.
Para um político no poder, não é novidade verbalizar problemas, ameaçar soluções. É o trivial de qualquer carreirista na vida pública. Na hora de a onça beber água, FHC sempre descobre duas coisas: que não é onça nem está com sede.

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