São Paulo, segunda-feira, 26 de agosto de 1996
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Uma visão da realidade

NILTON CERQUEIRA

Um ponto que consideramos fundamental no início do nosso raciocínio e que precisa ser questionado é o da visão sociológica do crime.
Essa visão, pura e simples, acaba favorecendo a prática delituosa, propiciando aos aproveitadores da miséria auferir lucros, estimulando a cumplicidade pela ruptura da ética e do moral social. A tese do bandido social, do criminoso carente, é demagógica.
Essa visão distorcida acaba fazendo o jogo dos verdadeiros partidários da morte, os bandidos, que envenenam a juventude, corrompem crianças e tiranizam comunidades que fingem proteger com benfeitorias de fachada, como é o caso do Rio de Janeiro.
A crítica dos intelectuais de polícia, os quais denominamos de "policiólogos", é outro fator adverso ao trabalho policial no nosso país, em particular, e no mundo, em geral, funcionando como proteção ao crime e aumentando os lucros da "indústria do crime", esquecendo-se do verdadeiro sujeito dos direitos constitucionais, o cidadão.
É de se reconhecer, no entanto, e não se pode negar, ser o atual modelo socioeconômico profundamente injusto e uma das principais causas da delinquência no Brasil.
Devemos ter em mente, todavia, que a exclusão social não concede direito aos excluídos de torturar e matar semelhantes. Acrescente-se o fato de que o aparelho policial não gerou as injustiças sociais do país, apenas trabalha na ambiência dos seus efeitos.
Não se pode deixar de frisar, por outro lado, na análise desse contexto, que a própria sociedade brasileira, com influência de um processo histórico de formação social eivada de corrupção e de violência, cobra de seus policiais valores ético-profissionais que ela própria não possui.
Do mesmo modo, as elites reclamam de sequestros e de suas perdas patrimoniais nos crimes de roubo, mas não dos crimes de colarinho branco.
Um outro aspecto que precisa ser considerado é a questão da fragilidade das leis penais brasileiras, elaboradas na melhor tradição de modelos estrangeiros por advogados criminalistas que vivem graças às consequências do próprio crime. Não se tem por hábito, na elaboração da legislação penal, consultar vítimas e os guardiões da lei.
O anacronismo e o irrealismo de determinadas leis têm dado causa, sem sombra de dúvidas, ao aumento de diferentes práticas criminosas.
A revisão do Estatuto da Criança e do Adolescente, a redução da idade limite para o início da responsabilidade penal e a criminalização do porte ilegal de armas são medidas que se impõem em caráter de urgência.
Ademais, senhores, salta-nos aos olhos, nessa análise conjuntural, a questão do sistema penitenciário no Brasil, extremamente paternalista, que não cumpre seu objetivo maior de ressocializar o delinquente, acarretando em verdade para a sociedade um altíssimo e injusto custo, fazendo com que se tenha com o apenado gastos superiores aos salários de boa parte dos cidadãos de bem, na plenitude de seus direitos.
Por sua vez, a questão do narcotráfico, talvez a maior preocupação atual dos sistemas de segurança, ultrapassa divisas e fronteiras, tendo sido observado, no Rio de Janeiro de há muito e já em outros Estados, que os narcotraficantes vêm se utilizando de práticas próprias de guerrilha e de terrorismo urbano como estratégia para fazer com que os governos recuem da repressão legal, deixando livre o caminho para sua expansão. Não podemos recuar!
Além da repressão a traficantes e consumidores, é preciso, mais do que nunca, identificar os financiadores e os intermediários do tráfico de drogas, em larga e pequena escala.
Deve-se ressaltar que a elite consumidora da droga alimenta os traficantes, que acabam gerando os crimes hediondos e, consequentemente, o aumento da violência urbana.
Por sua vez, cabe à família e à escola, em trabalho integrado, durante o processo educativo de menores, dar ênfase à prevenção. Como segundo agente socializador, a escola tem um importante papel.
Podemos afirmar, de resto, na análise de todo o contexto de violência urbana, que, no atual governo do Estado do Rio de Janeiro, a polícia hoje é mais respeitada, e os nossos valorosos policiais têm apoio irrestrito do governador Marcello Alencar, de chefes e comandantes para desenvolver, nos parâmetros da lei, a árdua missão de combate ao crime.
De forma obstinada, prosseguiremos cumprindo a política de segurança pública que tem como metas prioritárias a reativação da ação de polícia, com significativos resultados já alcançados, e o resgate da credibilidade das instituições policiais, certos de que a sociedade sobreviverá à crise da violência, pela união de todos os cidadãos na defesa da paz e da tranquilidade pública.

Nilton de Albuquerque Cerqueira, 66, general-de-brigada da reserva do Exército, é secretário da Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro e deputado federal licenciado pelo PPB do Rio de Janeiro.

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