São Paulo, segunda-feira, 26 de agosto de 1996
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Tortura em Israel

CARLOS ALBERTO IDOETA

"Shabeh", em hebraico, designa a postura dolorosa a que são submetidos os detidos durante o interrogatório.
Sentados em pequenas cadeiras de jardim-de-infância, sem encosto ou com as pernas dianteiras mais curtas, eles têm as pernas dobradas e um capuz na cabeça. Ou de pé, amarrados a canos e apoiados sobre os dedos dos pés durante longos períodos. Ou ainda como "banana", sentados com a cabeça dobrada para trás até o chão, ou como "rã", de cócoras.
Gritos, empurrões, pancadas na cara e nos órgãos genitais ou a "ciranda" mantêm o preso acordado. Ele pode ser ameaçado de só sair de lá paralítico, ou louco, ou morto. A sensação é descrita como de paralisia, com o sangue congelado nas artérias.
Entre os torturados estão Bassem Tamimi, Daher Muhammad Salah Abu Mayaleh, Khaled Farraj e Nader Oumsieh. Em abril de 1995, Abd al-Samad Harizat entrou em coma 15 horas depois de sua prisão e, em três dias, morreria em consequência de uma hemorragia subdural, como atestado por um médico da organização Physicians for Human Rights.
Nas décadas de 70 e 80, as Forças Armadas e o serviço de segurança de Israel torturaram palestinos regularmente, mas a tortura era negada.
Em 1987, dois escândalos desmascararam as negativas, e foi então criada a Comissão Landau, dirigida pelo presidente da Suprema Corte, que constatou ser a coação física moeda corrente nos interrogatórios.
A comissão aceitou as explicações do pessoal de segurança e utilizou o argumento jurídico da "necessidade" de pressão física e psicológica contra os acusados de "atividades terroristas hostis". Um mal menor, segundo seu relatório, desde que "a pressão sobre o suspeito nunca alcance o nível de tortura física ou de maus-tratos ou de ultraje à sua honra a ponto de privá-lo de sua dignidade humana".
Na prática, o interrogatório enérgico e exaustivo recomendado pela comissão resultou na legalização efetiva de alguns métodos de tortura.
A parte dois do relatório, secreta, precisa o que está permitido e o que está proibido ao interrogador. Uma delegação médica da Anistia Internacional, que visitou Israel e os territórios ocupados em agosto de 1995, apurou que essas diretrizes foram estabelecidas com assessoria médica.
Os profissionais de saúde que colaboram com tortura, maus-tratos e humilhações de prisioneiros são parte de um sistema que degrada o ser humano.
Um sistema que parece concebido para obter informação ou confissão sem deixar marcas visíveis. As autoridades israelenses não negam a utilização dos métodos apresentados pela Anistia em seu novo relatório, mas não os definem como formas de tortura.
Já a Declaração de Tóquio, de 1975, da Associação Médica Mundial, afirma em seu artigo 1º: "O médico não protegerá, tolerará ou participará de atos de tortura ou outras formas de tratamento cruel, desumano ou degradante, seja qual for o delito cometido, a acusação, a culpabilidade, as crenças ou os motivos da vítima, em qualquer situação, incluídos o conflito armado e a guerra civil".
Desde outubro de 1994, quando 22 pessoas morreram na explosão de um ônibus em Tel Aviv por um terrorista suicida do grupo palestino armado Hamas, um comitê ministerial concedeu aos interrogadores do serviço de segurança uma "dispensa excepcional" para aumentar as pressões físicas.
Em 1995 e 1996, foram apresentados dois anteprojetos de lei que poderiam ter legalizado a tortura de fato. As pressões nacionais e internacionais forçaram o recuo oficial, e a definição revista de tortura agora se conforma à da convenção da ONU contra a tortura, ratificada por Israel em 1991, que também interdita o recurso à tortura em qualquer circunstância.
Em fevereiro deste ano, o então ministro da Justiça, David Libai, disse aos delegados da Anistia em visita a Israel que o projeto de lei estaria aberto a observações de advogados e de organizações de direitos humanos.
Em resposta às cartas de membros da Anistia, o presidente do Colégio de Médicos de Israel escreveu que sua organização tem se esforçado ao máximo para assegurar que os médicos não participem direta ou indiretamente de sessões de tortura ou maus-tratos.
O chefe dos Serviços Médicos de Prisões disse à Anistia que seus médicos não aceitam as diretrizes da Comissão Landau e que só existe um modo de cuidar dos pacientes: diagnosticando e tratando de suas doenças.
Muitos indivíduos e ONGs têm tido um papel ativo na luta contra a tortura em Israel. Seus esforços ainda não atingiram os profissionais de saúde que atendem os serviços de segurança.
Sem a presença e o silêncio destes, não sobreviveria um sistema que viola normas internacionais de ética médica e que afronta a humanidade.

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