São Paulo, terça-feira, 27 de agosto de 1996
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Lucros, apesar de tudo

CELSO PINTO

A americana Whirlpool, maior fabricante mundial de linha branca (fogões, geladeiras, lavadoras etc.), vendeu US$ 4,2 bilhões no primeiro semestre deste ano e lucrou US$ 90 milhões. Mais da metade do lucro, US$ 48 milhões, veio de suas operações no Brasil, embora as vendas em toda América Latina representem apenas 2,8% das vendas totais.
Mais do que um exemplo das extraordinárias oportunidades para se ganhar dinheiro no país, o caso da Whirlpool coloca em perspectiva algumas questões cruciais no Brasil pós-Real. Ela é parceira de um grupo nacional, num dos setores mais desnacionalizados; ganhou muito dinheiro apesar do aumento da competição e da redução de margens; e não deixou de lucrar nas exportações, apesar do atraso cambial.
Em suma, é um caso que contraria 10 entre 10 imagens pré-concebidas sobre o desempenho industrial pós-Real e obriga a pensar.
A Whirlpool tem 31,5% do capital votante do grupo Brasmotor, tendo como sócios o Bradesco (31,5%), a Previ (19%) e a família Etchenique. O controle da Brasmotor, portanto, é nacional. O grupo é o maior produtor no país da linha branca e maior fabricante latino-americano de eletrodomésticos.
O setor vem tendo um desempenho extraordinário desde o Real, ignorando ciclos bons ou ruins. Neste ano de crescimento medíocre, Paulo Roberto da Costa, diretor da Brasmotor, calcula que as vendas da linha branca do grupo deverão subir 30%. Graças ao enorme potencial de venda dos mercados e aos financiamentos com prazos razoáveis da rede de distribuição, com recursos próprios e a despeito do Banco Central.
A Brasmotor, que faturou R$ 2,5 bilhões no ano passado, lucrou R$ 68 milhões no primeiro semestre, enquanto sua subsidiária Multibrás lucrou R$ 122 milhões, e a Embraco, R$ 21 milhões. Existem fogões em 87% dos domicílios, refrigeradores em 82%, lavadoras em 28%, condicionadores de ar em 13%, secadoras em 13%, microondas em 12%, lava-louças em 10%. Um pouco mais de renda e algum crédito são capazes de gerar uma explosão de vendas.
Exatamente por isso, todo mundo quer uma fatia do mercado, e os produtores nacionais estão sumindo. A associação da Brasmotor com a Whirlpool vem de 1958, mas a Continental foi vendida à alemã Bosch no ano passado, a sueca Electrolux entrou na Prosdócimo/Refripar este ano, e a Daco, maior vendedora de fogões no país, inteiramente nacional, está conversando, pelo que se comenta, com a GE americana.
Essa investida das grandes empresas mundiais trouxe uma competição feroz e estreitou as margens. O setor é um oligopólio, mas onde cada ponto no mercado é disputado via preços. O preço real dos produtos, de fato, caiu, e quem não acompanhou perdeu mercado.
A própria Brasmotor teve de ampliar o processo de reestruturação que levou, em 94, à transformação da Brastemp na Multibrás, com a incorporação da Consul e da Semer. A Brasmotor tem operações na Argentina, Itália e China.
Como o mercado cresceu, a Brasmotor conseguiu ganhar produtividade com um número relativamente estável de funcionários desde 90. Os lucros vieram, segundo Costa, do esforço de competitividade e do aumento no volume, apesar da redução das margens unitárias.
Muito interessante é o caso da Embraco, subsidiária da Brasmotor, segunda maior produtora de compressores do mundo. A Embraco, na ponta da tecnologia mundial no setor, continuou crescendo 10% no ano passado e exportando 67% do que produziu.
Quando o Real segurou o câmbio, a Embraco, segundo Costa, teve de reexaminar inteiramente o processo de fabricação de compressores para ver onde poderia reduzir custos. Sofreu com o câmbio, mas manteve sua participação no mercado mundial e os lucros.
A indústria brasileira, obviamente, não é composta só de Brasmotores, nem os problemas gerados por câmbio, juros, desnacionalização e competição externa são fictícios. O caso Brasmotor é um exemplo, contudo, de que o jogo não é feito apenas por perdedores, e quem está do lado certo é capaz de ganhar muito. Seja uma empresa nacional, seja um parceiro internacional.

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