São Paulo, terça-feira, 27 de agosto de 1996
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"Independence Day"

LUÍS PAULO ROSENBERG

O leitor é testemunha dos meus esforços para tentar entender o que pretendem os condutores da política econômica, apoiado apenas no instrumental profissional do economista.
Em balde. As contradições, os exageros, o sofrimento e a intranquilidade gratuitamente provocados nos agentes econômicos pela equipe do presidente não se enquadravam nos mais comezinhos princípios da Economia.
Como todos os auxiliares de FHC são pessoas talentosas e bem treinadas, não caberia explicar como simples estupidez a interminável lista de desacertos por eles cometidos e apontados nesta coluna.
Estava eu encafifado com esta minha incapacidade para entender os fatos, assistindo descontraidamente à televisão, quando passou um comercial divulgando o filme "Independence Day".
Parece que o enredo trata da invasão dos Estados Unidos por extraterrestres, cuja missão era gerar o pânico, destruindo a economia americana e culminando por explodir a própria Casa Branca.
Repentinamente, tudo se encaixou na minha cabeça. Claro, a equipe de FHC era composta por ETs, com a missão de criar confusão, levar o Brasil ao caos para facilitar a posterior dominação.
Desse prisma, ficava lógica a atuação recente do Ministério da Indústria e do Comércio, por exemplo.
Minha ortodoxia neoclássica só me permitia visualizar o absurdo que era proteger as montadoras aqui instaladas, em detrimento do consumidor e do setor nacional de autopeças.
Agora, tudo estava nos eixos: ao proteger as montadoras, fabricantes obsoletos de brinquedo e de vinhos o ET do MIC não só incompatibilizava FHC e o povo, mas provocava a ira de asiáticos, europeus e americanos.
As rusgas entre os ministérios da Administração e da Casa Civil também passam a fazer sentido. Nada melhor para desmoralizar o governo do que divergências explícitas sobre a própria reforma administrativa da União, à época em que o déficit público situa-se em níveis recordes.
E o trabalho sútil do líder ET do Ministério das Comunicações? Quanta injustiça, acusá-lo de macaco em loja de louças, toda vez que ele trata do tema da reeleição!
Ele tem tido um "timing" perfeito, abortando a viabilidade da idéia com seus pronunciamentos, todas as vezes que o assunto ia perdendo seu conteúdo emocional.
Similarmente, bater no candidato paulistano de Maluf, quem em decorrência cresce mais do que massa de bolo, é a maneira inteligente de transformar o senador Serra -regra três natural do PSDB para a próxima eleição presidencial, caso a tese da reeleição não decole- em pó de traque.
Mas é evidente que a nata dos comandos galácticos foi designada para a área econômica.
Que genial a iniciativa de colocar no comando da política cambial do Banco Central um ET vestido de PhD para primeiro valorizar o real em 20%, voltar atrás logo em seguida e finalmente turbinar a taxa de câmbio com uma desvalorização indexada em 0,6% ao mês, chova ou faça sol.
Que terrestre praticaria tal inconsistência, no patriótico propósito de desmoralizar a âncora cambial?
E o maquiavélico comandante encarregado da política monetária?
Depois de endividar em um ano o Tesouro Nacional com um volume que tomaria de um mortal dez anos, destruir a saúde do sistema financeiro, quebrar milhares de empresas e desempregar milhões de brasileiros, nosso anti-herói liderou duas reuniões do Conselho de Política Monetária que pertencerão ao "Guiness Book".
Na primeira, destinada a fixar a taxa básica de juros de agosto, manteve-a constante, apesar de todos os indícios favoráveis de que a inflação despencaria e a reativação econômica não estava com nada.
Na segunda reunião, reduziu a taxa básica de 1,9% em agosto para 1,88% em setembro, uma precisão micrométrica estonteante. Gaiato? Não, competente, se o objetivo for semear a zorra e o descrédito.
Desvendado o enigma, cabe agora ao presidente contra-atacar, devolvendo o país à lógica e minorando o sofrimento de famílias e empresas.
De preferência, a tempo de evitar a explosão do Palácio da Alvorada, obra do mestre Niemeyer muito mais valiosa para a humanidade do que a Casa Branca, detonada em "Independence Day".

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