São Paulo, terça-feira, 27 de agosto de 1996![]() |
![]() |
Texto Anterior |
Próximo Texto |
Índice
'Baal' foi amostra de teatrão
MARIO VITOR SANTOS
É frio o pátio interno do prédio da Oficina Cultural Oswald de Andrade, no centro. Montadas sobre tablados, as cadeiras da platéia, dois conjuntos de filas em ângulo reto, tentam prover alguma intimidade naquela imensidão. Todos se sentam à mesa, um peixão, com a cabeça de FHC, ganha o centro da mesa. Vai começar o jantar inicial de "Baal - o Mito da Carne", adaptação de texto do alemão Bertolt Brecht (1898-1956). Mas o esperado banquete brechtiano não consegue vencer a dispersão do pátio onde foi apresentada, em três únicas sessões no fim-de-semana, "Baal, o Mito da Carne", com direção de Marcelo Marcus Fonseca, que faz também o papel principal. Onde havia a expectativa de um teatro de bordel, de prazeres supremos e desastres atrozes, o que se teve foi um misto de teatrão e improviso, com jovens atores aguerridos e bem intencionados. Marcelo Fonseca poderia ser uma exceção, mas está discreto e recolhido, mantém-se aquém da exuberância de Baal, tímido para assumir a entrega pública que o papel requer. Os outros atores pareceram intimidados. Em princípio, a dispersão espacial não deveria constituir problema. A força da história do poeta Baal reside justamente em sua natureza fragmentária. É poderosa na medida em que o mistério de sua potência não se deixa aprisionar dentro de limites claros. Ele como que refunda a existência. Onde sua fala, estranha e intimista, mais parece atirada ao acaso é que atinge o âmago, em que vivências genuínas e secretas se insinuam e se ocultam. Seus temas obsessivos são a obscura floresta e a fluidez dos rios. Seja como artista, seja como glutão, ele constitui uma ameaça que destrói todos à sua volta: despreocupadamente limítrofe, genial, sedutor sem caráter, infantil, emocional e transparente. Capaz de arrastar-se na lama, até de celebrar os excrementos, com a frieza de um cientista que se deixa misturar ao objeto de estudo. Não faz conclusões; vive e morre. O deus Baal original fascinava os semitas antes de ser destronado por Jeová. Sacralizava sem limitações a vida orgânica, os impulsos elementares do sangue, da carne, da sexualidade e da fecundidade. O poeta-Baal de Brecht vive à margem, fascinando e sendo amado por todos. Em troca, ele inunda a realidade de destruição e criação, de sensações inatingíveis. Baal convida a todos para um passeio no lado selvagem da existência. Para encarar o desafio, Marcelo Fonseca e seu grupo, ainda tementes ao público e suas interações, têm muito que evoluir -ou "involuir", talvez fosse melhor dizer. Texto Anterior: Folha tem leitura hoje Próximo Texto: Karpov contra o Mundo Índice |
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress. |