São Paulo, quarta-feira, 28 de agosto de 1996
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'Quando crescer, quero ser como Pitta'

FERNANDO CANZIAN
EDITOR DE BRASIL

O economista e candidato a prefeito de São Paulo Celso Pitta, 49, acredita em vida fora da Terra e tem saudades do crescimento experimentado pelo Brasil durante o regime militar.
Com as carreatas por São Paulo, Pitta acha que dá um exemplo para a comunidade negra. "As crianças devem pensar: 'Puxa vida, quando eu crescer, quero ser um camarada como esse Pitta"'. Ele defende a censura à música "Veja os Cabelos Dela", do cantor Tiririca. "A ofensa é deplorável."
Leia a seguir entrevista concedida à Folha ontem pela manhã em seu apartamento na alameda Franca, nos Jardins (zona oeste):
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Folha - O sr. era praticamente desconhecido até antes da corrida eleitoral. Hoje, tem 43% das preferências. É frustrante constatar que o sr. só está nessa posição graças ao reboque do prefeito Paulo Maluf e de um bom marketing?
Pitta - Ao contrário. É estimulante ser submetido a uma exposição desse porte e dessa intensidade e receber uma aprovação significativa. Acredito que o fato de eu não ser uma pessoa da política tradicional tenha me favorecido junto ao eleitor. Me sinto muito bem.
Folha - Mesmo quando gente como o ministro Sérgio Motta o compara a um iogurte?
Pitta - Eu não respondo a esse tipo de colocação. Estaria me rebaixando ao nível desse tipo de conversa. Eu não faço isso, em primeiro lugar, em respeito ao próprio eleitor, e, em segundo, pelo fato de não se tratar de um adversário, mas de um partidário de um adversário.
Folha - Mas o sr. está numa posição confortável, já que o "trabalho sujo", digamos, de criticar os outros foi assumido pelo Maluf.
Pitta - Discordo dessa expressão. O Maluf, na realidade, para mim, é um exemplo de político. Em 84, com a vitória de Tancredo Neves, ele teria, teoricamente, encerrado sua carreira política. Foi literalmente execrado na vida pública como sendo a representação do mal. Levou oito anos para dar a volta por cima e não se acovardou. Competiu, disputou e perdeu eleições. Ganhou a eleição para prefeito, fez uma administração que tem o reconhecimento da população e pelo o que ele sofreu de perseguição, críticas e ofensas, até que está muito "light". De forma que qualquer palavra de Maluf no sentido crítico tem uma razão de ser muito mais profunda do que qualquer outra pessoa possa atribuir. Não se trata de "trabalho sujo". Ele tem cicatrizes.
Folha - Qual a garantia que o sr. está dando ao prefeito de não repetir o clássico fenômeno da criatura que se volta contra o criador? O fato de o sr. estar escolhendo seu secretariado agora, antes de vencer, seria uma garantia imposta por Maluf?
Pitta -Existem total impossibilidade e inadequação em uma colocação como essa. Eu conheci o Paulo através do irmão mais velho dele, o Roberto, que é o presidente da Eucatex. Isso aconteceu em 1972 ou 73, quando eu era economista do governo e estava em curso uma política de abertura da economia e de incentivo às exportações. O Roberto Maluf era um dos maiores líderes do setor exportador brasileiro. Desde aquela época ficamos muito amigos. Anos depois, em 85, quando saí da Casa da Moeda, ele me convidou para trabalhar na Eucatex. Assim, passei a conviver com Paulo Maluf. Toda a família do Paulo tinha na dona Maria, mãe de Maluf, um grande respeito. Ela comandava a família. E, para ocupar o cargo de diretor financeiro da Eucatex, eu recebi também o aval da dona Maria Maluf e de toda a família. Afinal, era o camarada que iria cuidar do dinheiro da família. O relacionamento que tenho com a família é muito enraizado. E essa é a melhor garantia que Maluf pode ter. Ele sabe que eu jamais seria uma pessoa desleal.
Folha - O sr. Paulo Maluf tem uma imagem fortemente ligada ao regime militar. Foi da Arena e exerceu cargos indicados por presidentes militares. O sr. também apoiou o regime de 64?
Pitta - Eu nunca exerci uma atividade política anteriormente. Nesse período (do regime militar), eu sempre me dedique a meus estudos, ao trabalho e à sobrevivência. Eu me formei em 68, no auge da repressão. No convite da minha formatura havia um "agradecimento especial" à polícia do Estado da Guanabara por ter invadido a faculdade. A colação de grau foi na secretaria. Eu nunca estive estimulado a ter uma atividade político-partidária. Não tenho nenhum vínculo político com a ditadura.
Folha - Mas, pessoalmente, como o sr. se posicionava? Afinal, foi bom ou ruim?
Pitta -A década de 70 foi a década do milagre brasileiro. Nesse período eu estive no exterior, na Inglaterra, e tive a oportunidade de sentir e ver como a imagem do Brasil estava em alta naquela época. Houve um custo social muito grande, mas houve um progresso também, que hoje a gente tem até saudades das taxas de crescimento da época. E como eu estava sempre vinculado à parte técnica, eu via no acerto da parte econômica do governo uma coerência muito grande. Mostrou resultados. Politicamente, teve um custo elevado. Hoje, temos uma posição mais saudável, com liberdade de expressão. Evidentemente tudo isso que temos hoje seria melhor ainda se tivéssemos um quadro econômico de crescimento como tivemos na década de 70.
Folha - Em um debate eletrônico que fizemos na Internet, sugeriram ao sr. que contasse uma piada e o sr. se saiu com esta: "Não vote em branco, vote no Pitta". Não é politicamente incorreto? Não são atitudes como essas que preservam o preconceito racial no Brasil?
Pitta -Foi uma piada que eu ouvi de um integrante do Tribunal Regional Eleitoral. Eu a contei apenas para mostrar que não tenho aversão a esse tipo de colocação.
Folha - Como o sr. vê a situação racial no Brasil?
Pitta - Hoje, não vejo representatividade da comunidade negra neste país. Nem em nível empresarial ou governamental. Há exceções pontuais. Tenho recebido uma adesão muito grande da comunidade negra e, se eleito, acho que posso vir a ser um referencial para esta comunidade. Isso abrirá um caminho radical para uma mudança da situação de preconceito racial. Hoje mesmo, quando participo de carreatas, vejo como crianças negras me olham com admiração. Devem pensar: "Puxa vida, quando eu crescer, quero ser um camarada como esse Pitta". Isso sim é um referencial importante.
Folha - O sr. não deveria ser mais incisivo para acelerar essa mudança? O sr. não toca nesse ponto na campanha.
Pitta - Eu não sou só o candidato desse segmento da sociedade. Farei tudo para prestigiar esse segmento, mas esta eleição não é uma eleição racial. Eu não sou líder de nenhum movimento negro. Seria falsidade incorporar esse discurso.
Folha - O que o sr. acha da censura à música do Tiririca?
Pitta - Acho correta. Não se pode confundir liberdade de expressão com liberdade de agressão. O exercício da democracia deve dar todo o direito de manifestação sem que se ofenda outras pessoas. A ofensa aos negros (com a música) é deplorável.
Folha - Já passou pela sua cabeça que o sr. Maluf, autor da célebre frase "estupra, mas não mata", esteja usando o sr., um negro, para coroar sua nova aura de modernidade? Afinal, ele proibiu o cigarro e instituiu o cinto de segurança. Agora, chama o sr. de candidato "afro-brasileiro".
Pitta - O Maluf tem muita coragem, e, quando chegou à conclusão de que eu seria o melhor candidato para sua sucessão, ele não levou em conta esse aspecto. A questão da etnia não pesou. Ele olhou, viu e disse: "É este o camarada". Coincidentemente eu era negro.
Folha - E sobre outras duas questões polêmicas, aborto e descriminação das drogas, como o sr. se posiciona?
Pitta - A legislação atual sobre o aborto é coerente com o estágio em que esse assunto se coloca na sociedade. É permitido desde que a mãe corra risco de vida. Mas também acho que é uma decisão de foro muito íntimo, do casal. É uma decisão muito pessoal para que haja uma coisa fechada, sim ou não, indiscriminadamente. Mas, se tiver de haver alguma alteração nessa legislação, deveria ser feita através de um plebiscito.
Sobre a maconha, se os EUA acabam de taxar a nicotina como prejudicial, como uma substância que vicia, já existem indícios suficientes de que a droga é perniciosa à saúde. Ainda mais pelo fato de, como dizem, alterar o comportamento psíquico das pessoas. Não tenho como admitir o uso.
Folha - O sr. acredita em vida fora da Terra? Em Marte, por exemplo?
Pitta - Ganhei um livro do físico inglês Stephen... o quê?
Folha - Hawking.
Pitta -Isso. Eu comecei a ler e realmente não passei do segundo capítulo, pois o negócio ficou muito complicado para o meu gosto. Mas ele faz uma demonstração científica e, na teoria que ele demonstra, se há vida aqui, poderá existir vida em outras partículas deste universo. Não acredito nesses marcianozinhos vestidos de verde, que vêm aqui encher a paciência da gente, mas deve haver alguma outra forma de vida neste universo tão grande.
Folha - E em Deus, o sr. acredita?
Pitta - Evidentemente. Estudei 11 anos em colégio católico e acho que isso formou muito a minha personalidade.
Folha - E, em havendo vida fora da Terra, e o sr. acreditando em Deus, o sr. acha que o Deus dos outros planetas seria o mesmo dos terráqueos?
Pitta - Bem, o meu tá aqui. Tomando conta de mim. Aliás, com muito cuidado. Me considero um cidadão feliz, e, onde eu estiver, neste planeta ou noutro, Ele vai estar comigo.
Folha - A gente sabe que a Secretaria de Finanças da prefeitura vem rolando, com autorização do Senado, 98% dos juros de sua dívida mobiliária. Não é uma atitude temerária, já que o sr. mesmo pode ter de assumir a prefeitura com o perfil da dívida talvez bem pior do que a que Maluf pegou?
Pitta - Mas o perfil da dívida não piorou. A arrecadação cresceu em uma proporção maior que o endividamento. Hoje, temos essa relação endividamento/receita em uma situação equilibrada, ou melhor do que era antes.
No último balanço, de 95, a dívida era de R$ 5,2 bilhões. A arrecadação da prefeitura hoje já é superior a isso, sendo que a dívida tem um perfil de longo prazo. Quando Maluf assumiu a prefeitura, o orçamento era inferior a R$ 3 bilhões, e a dívida também. O crescimento foi proporcional.
Folha - Mas não é correto imaginar que essa, digamos, "bolha" de obras e inaugurações que estamos vendo hoje acabe logo após as eleições?
Pitta - Não. Nós temos hoje uma sobra, entre receitas e despesas correntes, que permite a manutenção de um nível de investimento de R$ 1,5 bilhão por ano.
Folha - O seu discurso de campanha se lastreia mais em programas sociais do que em obras. É o marketing do momento?
Pitta - O que o Maluf fez foi somente acabar os investimentos em obras que deveriam ter sido finalizados na gestão Erundina, já que as obras foram iniciadas na gestão Jânio Quadros. Foram interrompidas com Erundina, e nós acabamos. Não é que o PPB agora virou social. Apenas recuperamos o tempo perdido e agora queremos investir mais na área social.
Folha - O sr. acha que vai vencer no primeiro turno?
Pitta - Estou longe de estar na posição de "salto alto", em "clima de já ganhou". Sei que, nesses trinta e poucos dias que temos pela frente, ainda há muito chão. Acredito que vou passar para o segundo turno e que vença depois.

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