São Paulo, quarta-feira, 28 de agosto de 1996
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Resposta do cliente é importante, mas não é tudo

BILL GATES

No Centro de Apoio Telefônico ao Cliente da Microsoft, havia, antigamente, um sofá conhecido como "sofá mala direta", assim chamado por causa de um elemento em nosso programa de processamento de textos que permite que o usuário modifique os formatos prontos de cartas para atender a suas próprias necessidades.
A primeira versão desse recurso era tão complicada que, toda vez que um cliente ligava pedindo ajuda, nosso representante se deitava no sofá para atender à ligação, sabendo que ela provavelmente se estenderia por bastante tempo.
Era evidente que alguma coisa não estava certa.
Importância do feedback
Na geração seguinte do "Word", nós resolvemos o problema (e eliminamos o sofá), mas a história ilustra a importância, para a empresa, do feedback dos consumidores.
A maioria das empresas entende que usar o feedback dos clientes para orientar o desenvolvimento e aperfeiçoamento de produtos e serviços é crucial para o sucesso.
Algumas empresas sabem melhor do que outras como coletar e utilizar esse feedback -e percebem melhor do que outras quando esse retorno, por si só, não é o suficiente para basear decisões estratégicas.
A primeira regra para gerentes que queiram ajudar suas empresas a serem movidas pelo cliente é implementar sistemas que efetivamente solicitem o feedback dos clientes e depois usar esse feedback.
A Boeing recorre ao envolvimento extensivo de seus clientes quando desenvolve um novo modelo de jato. A United Airlines influenciou o design tanto do 767 quanto do 777, e a British Airways e a Eastern Airlines (que não existe mais) participaram do desenvolvimento do 757.
Como resultado, as companhias aéreas puderam garantir que os aviões fossem fabricados de maneira a satisfazer suas necessidades e preferências específicas.
Quando uma empresa tem milhares ou milhões de clientes, ela não pode envolver muitos deles individualmente no processo de design de um produto. Nesse caso, ela precisa usar sistemas que forneçam informações confiáveis colhidas junto a uma amostra representativa dos clientes.
Algumas empresas oferecem um número de telefone para receber feedback dos clientes. Mas toda vez que vejo uma embalagem de chocolate ou creme dental com um número de telefone, pergunto-me quem se dá ao trabalho de ligar para aquele número.
Outra maneira de colher feedback é realizar pesquisas, mas muitas pessoas -entre as quais eu me incluo- não se dispõem a gastar muito tempo respondendo a pesquisas.
É possível que a Internet venha mudar essa situação. As empresas vão enviar pesquisas a seus clientes por correio eletrônico e oferecer incentivos a quem responder -talvez um pouco de dinheiro digital ou cupons de descontos.
Vai ser extremamente eficiente para a empresa, porque os resultados da pesquisa virão em forma eletrônica, tornando os resultados mais fáceis de compilar e analisar.
A Enciclopédia Britânica recentemente enviou correio eletrônico a pessoas que haviam aceitado um teste gratuito de sete dias de sua referência on line. Ofereceu mais uma semana de uso gratuito para quem preenchesse um questionário on line sobre suas reações ao produto e a seu preço.
Grupos de discussão e conselhos de consumidores, em que alguns consumidores se reúnem para discutir suas reações a produtos ou serviços, também constituem uma boa maneira de colher feedback dos clientes, embora também tenham limitações.
Nenhum sistema de pesquisa de mercado é infalível.
Mesmo empresas que se esforçam para ouvir seus consumidores podem cometer enganos. Quando a Coca-Cola lançou a nova Coca, em 1985, estava fazendo o que achava que seus consumidores queriam, ao adoçar o sabor do refrigerante mais vendido no mundo.
A empresa achou que o feedback dos consumidores lhe dizia que deveria vender um refrigerante de sabor diferente. Mas o que os consumidores queriam, na realidade, era aquilo que já estavam acostumados a tomar. A Coca-Cola conseguiu reparar o engano sem maiores problemas, relançando a Coca antiga sob o nome de Coke Classic.
Algum tempo atrás, a Microsoft lançou um produto chamado "Bob", com o qual as pessoas podiam interagir com um personagem na tela, como maneira de facilitar o uso do computador. A idéia da interface social não pegou -pelo menos, não pegou ainda.
Não pretendemos lançar outra versão do "Bob", mas ainda acreditamos em seu valor intrínseco e prevemos que ele vá ressuscitar sob outra forma.
A transição para a computação gráfica é um exemplo de uma instância em que a Microsoft precisou ir além do que as pesquisas nos apontavam.
A maioria dos consumidores de software pesquisados não sabia se iria preferir a computação gráfica, porque nunca a havia experimentado.
Nós acreditamos que os consumidores iriam preferir a nova maneira de interagir com seus computadores, mesmo que os resultados das pesquisas de mercado não fossem tão positivos assim. Felizmente, nossa aposta deu certo.
Apesar de a Microsoft se dispor a olhar para além do feedback dos consumidores, o fato é que 80% dos aperfeiçoamentos acrescentados a produtos como o "Windows" resultaram do feedback dos consumidores.
Além dos testes alfa e beta, registramos no computador e avaliamos cada um dos milhares de pedidos de atendimento, sugestões dos consumidores e reclamações sobre produtos.
Os engenheiros de software que trabalham no desenvolvimento de produtos passam muito tempo ouvindo ligações de clientes, para receberem feedback em primeira mão.
Para chamar a atenção dos gerentes de grupos, cobramos de seus departamentos o custo do apoio técnico aos clientes que utilizam seus produtos.
Também recebemos informações de nossos vendedores, que trabalham no campo com os próprios clientes.
Confiar no instinto
Nessa indústria, os clientes se mostram ansiosos por compartilhar conosco suas idéias, frustrações e entusiasmos. Temos sorte de estar numa indústria em que os produtos são tão adaptáveis.
Uma fábrica de automóveis pode levar cinco anos para modificar um modelo e adaptá-lo às preferências dos consumidores, mas uma companhia de software pode atualizar seus produtos constantemente, e é isso que geralmente ocorre.
Acredito piamente que ouvir o feedback dos consumidores é crucial para o sucesso de qualquer empresa, especialmente numa indústria dinâmica como a nossa, que passa por constantes transformações.
Dito isso, a experiência já me ensinou que também é importante confiar em nossos instintos, assumir riscos e tomar iniciativas de liderança, mesmo quando o cliente não está pedindo que o façamos.

Tradução de Clara Allain.

Cartas para Bill Gates, datilografadas em inglês, devem ser enviadas à Folha, caderno Informática -al. Barão de Limeira, 425, 4º andar, CEP 01202-900, São Paulo, SP- ou pelo fax (011) 223-1644.
E-mail askbill@microsoft.com

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