São Paulo, sexta-feira, 30 de agosto de 1996 |
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Tesouro Nacional: a reforma que já deu certo
MAILSON DA NÓBREGA Na próxima semana, a Secretaria do Tesouro Nacional, STN, comemora dez anos de sua criação com um seminário internacional sobre finanças públicas.O evento reunirá especialistas nacionais e internacionais para debater temas como ajuste fiscal, administração da dívida pública e controle e auditoria do gasto público. A STN é a síntese da mais importante mudança institucional que o Brasil já realizou em suas finanças públicas. Hoje, sua atuação tornou-se rotineira. Os trabalhos da reforma viraram história, teses de doutorado e temas para concursos de livre docência. Trata-se de um claro exemplo de "statecraft". Numa tradução literal, "statecraft" seria a habilidade de gerir os assuntos do Estado. Em sentido amplo, é a capacidade de mobilizar recursos institucionais e sociais para construir ou reconstruir o Estado, implementando práticas inexistentes antes da reforma. Os estudos para a reforma se iniciaram em 1983. Ficara clara, então, a necessidade de eliminar o Orçamento Monetário, um arranjo institucional primitivo, que se transformara no local de ralos por onde vazavam os recursos do Tesouro. Pelo OM tinham curso o crédito oficial à agricultura e às exportações, a política de preços mínimos agrícolas e as compras governamentais de café, trigo e açúcar exportável. Ralos diversos (esqueletos, como se diz hoje) integravam os ativos das autoridades monetárias: subvenção à compra de fertilizantes e à construção naval, equalização de preços da cana-de-açúcar, conta petróleo, seguro de navios e outros. A crise da dívida externa abriu outro grande ralo: o aval da União em empréstimos externos a Estados, municípios e empresas estatais, os quais foram honrados pelo BB com recursos do OM. Em 1982, estreou o ralo dos bancos estaduais, aberto até hoje. Em 1983, estudos desenvolvidos pelos ministérios da Fazenda e do Planejamento diagnosticaram a gravidade da situação das finanças federais e de seu controle. No ano seguinte, mais de cem técnicos daqueles ministérios, do BB e do Banco Central, liderados por comissão de alto nível, concluíram amplo estudo contendo sugestões para lidar com o problema e implementar melhorias institucionais. As propostas eram amplas: extinguir o OM, a conta de movimento no BB e as funções de fomento do BC; transferir a aprovação da dívida pública para o Congresso e sua gestão para o Ministério da Fazenda, unificar os orçamentos federais e criar a STN. Além disso, era preciso privatizar as exportações de açúcar, a comercialização do trigo e as compras do café. A resistência foi enorme. Dizia-se que a reforma era uma conspiração internacional para destruir o BB e que provocaria a desgraça da agricultura, o colapso do abastecimento de trigo, o desastre no café e no açúcar. O Brasil pararia. Desinformação, interesses políticos e corporativismo se levantaram contra a reforma. Valeu tudo: passeata, difamação, tramas. Uma juíza de Brasília concedeu uma liminar solicitada por um deputado oportunista, bloqueando as medidas por mais de um ano. Apesar da reação, a reforma foi realizada. Parte dela saiu em 1986: a conta de movimento e a STN. O restante foi implementado em 1987 e 1988. Os temores eram infundados. O abastecimento de trigo se tornou mais eficiente e confiável. Sumiram fontes de corrupção e desperdício com o fim dos institutos do café e do açúcar e álcool. No crédito rural, a solução ainda está distante em face das pressões corporativas, especialmente no Congresso. Os primeiros sinais já estão, contudo, visíveis. A saída pode vir de uma proposta do BB: a cédula do produto rural, já em operação. O avanço institucional e a qualidade técnica e gerencial da STN levaram seu prestígio além fronteiras. Seus funcionários viraram consultores internacionais. O Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi) tem servido de modelo para outros países. Infelizmente, a crise fiscal ainda não debelada e os estragos da Constituição de 1988 têm reduzido o brilho dos efeitos da reforma. Para os que conheceram o período pré-STN, entretanto, é mais do que justo comemorar sua primeira década de êxito indiscutível. Texto Anterior: Na rede privada; Na concorrência; Capital mínimo; Telebrás em alta; Central no interior; Acordo na Sofunge; Olho no seguro; Caso de saúde; Preços saudáveis; Surpresa no leilão; Outra plataforma; Vôo misto; Crédito distante; Necessidades de caixa; Adiantamento bancário; Tempos melhores; Gente que faz Próximo Texto: Em busca da verdade Índice |
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