São Paulo, sexta-feira, 30 de agosto de 1996
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Popov sentiu na pele a violência injustificável

ROGÉRIO ROMERO
ESPECIAL PARA A FOLHA

O mundo da natação está triste desde o último sábado, quando o bicampeão olímpico Alexander Popov, após uma discussão com um vendedor de melancias (!), acabou levando punhaladas no pulmão e rim esquerdos, as quais o colocaram em um hospital, com risco de vida, inclusive.
Tenho acompanhado a recuperação do rival dos meus companheiros Fernando Scherer e Gustavo Borges e, pelo que vi, ele vai se recuperar mais rápido que os médicos pensam, e mais rápido ainda voltará ao local que o consagrou: a piscina.
"Não há motivo para alarme", teria dito ele. Em outra cena na televisão, ele aparece acenando, como se nada de realmente grave tivesse acontecido.
Mas, por que todo este otimismo, se até foi transferido para o hospital que atende os maiorais lá na Rússia? Por causa da sua grande força de vontade de vencer, não só na água, mas em qualquer área.
Este, com certeza, é um grande legado que a natação deixa aos seus praticantes: nunca desista, persista e vencerá.
Mas, então, ele sairá de uma cirurgia dessas e voltará a ser imbatível? Ele NÃO é imbatível, ele ESTÁ imbatível. E nadadores dispostos -e com condições- a destroná-lo não são poucos. Só no Brasil, dois!
Em 91, começou a série de vitórias de Popov. Seis meses após não ter sido classificado para o Mundial daquele ano, ele ganhou os 50 e 100 m livre no Europeu de Viena.
Voltaria a ganhar as mesmas provas na Olimpíada de Barcelona, em 92 (após a qual seguiu seu técnico e foi morar e treinar na Austrália), no Campeonato Europeu de 93, no Mundial de Roma, em 94 (naquela ocasião, bateu o recorde de outra lenda deste esporte nos 100 m, Matt Biondi, com o tempo de 48s21, em Mônaco, onde existe uma placa na raia quatro em homenagem ao feito).
Popov conquistou ainda o tri europeu em 95 e o bi olímpico agora, em Atlanta-96.
Essas são as conquistas individuais. Podem somar aí mais quatro pratas olímpicas em revezamentos. Ufa! Basta?
Quando perguntado se o veríamos na Olimpíada de Sydney, no ano 2000, ele respondeu: "Há um bom ditado na Bíblia: se você quer saber, eu não responderei; se eu te responder, você não acreditará em mim. Então, eu não vou responder".
Mesmo assim, apesar de todas essas múltiplas conquistas na sua vida de atleta, Popov sentiu na pele e nos mostrou que, ao que aconteceu com ele, todos nós estamos sujeitos: a violência.
Pode ser na Rússia, aqui ou lá, comigo ou com um flanelinha. Não importa, nada justifica um ato como este.
O ataque a Popov até provocou um comentário ácido de John Boultbee, diretor do Instituto Australiano do Esporte. "Agora eles sabem o motivo pelo qual Alexander Popov escolheu o nosso país para viver."
Nós, nadadores e atletas em geral, ficamos tristes, pois uma função escondida no esporte é justamente provocar a alegria nas pessoas (às vezes, temperada com uma pitada de sofrimento, é verdade), a confraternização entre os povos e o respeito ao próximo.

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