São Paulo, sexta-feira, 30 de agosto de 1996
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Para jornalista, "o que os EUA odeiam não é Castro, é o comunismo"

PATRICIA DECIA
DA ENVIADA ESPECIAL

O jornalista Henry Raymont, 69, encontrou a carta de Fidel Castro a Franklin Roosevelt em 1992, durante pesquisas na biblioteca Roosevelt, em Hyde Park (Nova York).
"Pouca gente pesquisa os arquivos sobre a América Latina, e um bibliotecário, quando viu meu interesse, me mostrou o documento", afirmou à Folha.
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Folha - O que representa a carta?
Henry Raymont - É um exemplo clássico da imagem de Roosevelt com um garoto de 12 anos em Cuba. Não houve outro presidente nos Estados Unidos que inspirasse uma carta como essa. Não há registro na biblioteca de que Roosevelt tenha respondido com uma nota de US$ 10. Não sabemos se a história seria diferente se ele os tivesse mandado.
Folha - Qual era essa imagem de Roosevelt?
Raymont - Eu cresci em Buenos Aires e comecei a trabalhar lá para a "United Press International" em 1944, quando Roosevelt ainda era presidente. Todos éramos contra os regimes ditatoriais, e ele era nosso herói. Se Roosevelt estivesse vivo após Fidel tomar o poder, ele nunca teria se tornado comunista.
Fidel se tornou comunista porque essa era a única maneira de um líder de um pequeno país, como Cuba, se envolver em uma química que incomodaria os EUA. O que os EUA odeiam não é Castro, é o comunismo. Fidel é primordialmente histriônico, tem um soberbo senso de teatro, que os líderes norte-americanos não entendem.
Folha - Como foi sua prisão?
Raymont - Eles me acusaram de ser um agente da CIA na América Latina. Eu tinha a reputação de ser progressista e ajudava na derrubada de líderes populares, como Perón. Eu era atípico, e qualquer pessoa atípica era suspeita.
Logo que cheguei, fiquei na embaixada brasileira até achar um hotel e, para piorar, havia sido visto em companhia de estranhos músicos russos. A outra coisa: eu raramente ia à embaixada dos EUA. Não havia notícia lá, era tudo propaganda. Não interessava.
Folha - Havia algum problema específico pelo fato de o sr. ter ficado na embaixada brasileira?
Raymont - Vasco Leitão da Cunha era provavelmente o mais importante diplomata estrangeiro em Havana. A embaixada brasileira, nos anos de (Fulgêncio) Batista, deu asilo aos líderes do movimento 26 de Julho. Vasco, que era muito correto e conservador, tinha uma relação de afeto com Fidel, mas politicamente se distanciaram. É verdade que há uma história não contada sobre as semanas antes da invasão da baía dos Porcos.
Folha - Que história é essa?
Raymont - São os esforços de Brasil, México, Canadá e supostamente Argentina para prevenir um confronto entre os EUA e Cuba, porque os resultados desse confronto iriam voar em todas as direções. Escrevi muitas reportagens sobre isso, e pouquíssimas saíram, porque a história foi derrubada pelo terrorismo.
Folha - Como era o terrorismo?
Raymont - Havia sabotagem norte-americana e o movimento do Directorio Estudantil, um grupo muito católico. Eles já consideravam, em 1961, que Fidel era um comunista e que teriam de derrubá-lo como fizeram com Batista.
Isso deu combustível para a idéia da CIA de que todos em Cuba eram contra Fidel. Tudo que precisavam fazer era patrocinar um pequeno grupo. Loucura.
Folha - Quando o sr. ficou sabendo da invasão?
Raymont - Costumo dizer que eu fui o primeiro a dar a notícia da invasão, e o último a acreditar. Recebi uma nota do embaixador da Argentina, informação que quase custou meu fuzilamento. Eles queriam que eu dissesse quem tinha dado a informação e eu me neguei.
Folha - Como foi seu reencontro com Fidel Castro?
Raymont - Após 24 anos da minha prisão, decidi voltar a Cuba com um comitê de congressistas e empresários. Quando me viu, Fidel disse: "Nós nos conhecemos e te devemos. Você foi acusado injustamente". Conversamos por seis horas, ele queria falar sobre a baía dos Porcos, que a revolução era humanista. Ele está agora determinado a ter sua imagem na história. Então, eu recordei algumas coisas, e ele me deu o manuscrito de um discurso, onde dizia "a história me absolverá". O importante desse manuscrito é que tinha a mesma caligrafia da carta que encontrei em 1992.
(PD)

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