São Paulo, sexta-feira, 30 de agosto de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Guerra dos maltrapilhos

SAULO RAMOS

Querem reagir contra a criminalidade violenta ou contra a criminalidade em geral? Em matéria de lesões patrimoniais, o golpe contra investidores ou poupadores pode não doer na pele, mas ganha, em volume e resultados, dos assaltos à mão armada.
Faz maiores estragos, e profundos, na economia popular. E, psicologicamente, incentiva a moçada do tiroteio, que se entusiasma com a impunidade do crime bem-educado. No contexto da violência, há, porém, algo de muito mais valioso: a vida humana.
Desnecessário debater as origens remotas desse maldito mal: fome, pobreza, injusta distribuição de renda, desemprego, economistas, bolsões de miséria, bolsas de valores e máfias internacionalmente organizadas. Urgente é salvar vidas, não permitir que o trajeto entre a casa e o trabalho, ou a escola, ou o cinema, ou o bairro onde mora o amigo, o parente ou a namorada transforme-se no corredor da morte.
Por mais incrível que pareça não será difícil diminuir drasticamente a criminalidade violenta.
Primeira providência: aumentar drasticamente os vencimentos dos policiais, civis e militares, de forma a tirá-los da miséria igual àquela que dá origem a criminosos. Desmotivada na luta contra o crime, a não ser alguns quase heróicos no cumprimento do dever, a grande maioria apenas faz hora na profissão, tomando cuidados para não morrer, e uns quantos aderem ao outro lado pelo dinheiro fácil diante do insulto de seus salários de fome. A sociedade, que não remunera adequadamente sua polícia, paga um preço incalculável por essa imprevidência. Fica sem os anéis e sem os dedos.
Onde está a isonomia dos delegados de polícia com o Ministério Público ou com os procuradores do Estado? Que foi feito do comando contido no art. 241 da Constituição? Pergunte aos governos dos Estados se estão cumprindo a solução constitucional! Nenhum deles cumpre.
Em breve, nem sequer essa vinculação de vencimentos resolverá o problema, porque o Ministério Público e a magistratura também estão ceifados nos valores que lhes são pagos, o que fará daquela aspirada isonomia uma frustração geral. Convém, portanto, atender logo aos clamores de aumentos para a magistratura, porque os vencimentos dela seguram, embaixo, a remuneração da polícia.
Podem fazer reuniões, grandes manifestações, ajuntamentos e protestos que não corrigirão os orçamentos públicos. Perguntem ao Fernando Henrique quanto paga à Polícia Federal e comparem com o dinheiro aplicado nos bancos falidos ou os juros despendidos com dívida interna. Vocês ficarão estarrecidos com os valores aplicados na defesa da política monetária diante das ínfimas quantias investidas na segurança dos brasileiros, que perdem a vida por cinco moedas.
Perguntem ao Mário Covas quanto gasta com a polícia de São Paulo, civil e militar, e comparem com o rombo do Banespa. Perguntem quanto ganha um policial civil (R$ 600 brutos por mês) ou militar (R$ 416 brutais mensais) e respondam vocês mesmos se, por esta quantia, alguém passaria uma única hora no policiamento de rua, sujeito a levar tiros de metralhadora novinha, importada de Israel via Paraguai.
Não nos iludamos, nossas autoridades, responsáveis pela ordem, estão quase maltrapilhas, juízes, promotores e policiais.
Querem ganhar a guerra? Armem e paguem bem seus soldados.
E então? É preciso, ainda, construir com urgência a penitenciária federal no centro da região amazônica, cumprir e alterar a lei de execuções penais, de forma a transferir para lá toda a população carcerária classificada como de alta periculosidade e que, nas cadeias estaduais, forma um contingente de professores do crime para os delinquentes acidentais, chamados pé-de-chinelo, mas reeducáveis enquanto não contaminados pelos perigosos, imprestáveis e sem qualquer possibilidade de recuperação.
Não sugiro, para estes, a pena de morte, mas, sim, prisão perpétua, com bom tratamento, mas na selva, vigiados pelos jacarés.
Por último, se os empresários querem ajudar, de que forma o farão? Instituam fundações destinadas a prestigiar a polícia e outras de proteção ao menor.
Nas primeiras, permitam que o policial, de ficha limpa, nela se inscreva, com direitos a tratamento de saúde, para si e sua família, escolas, em vários graus, para seus filhos, cursos remunerados de reciclagem e especialização profissional variada; e, além de outros serviços, assistências e benefícios, um sistema de seguro de saúde e vida para valer, de forma a deixar o profissional tranquilo quanto a esses dolorosos aspectos de perigo da profissão, inclusive para as eventuais aposentadorias por invalidez.
Instituições profissionalizadas de amparo aos menores que os tirem das ruas e da Febem. Para o garoto delinquente, de Ribeirão Preto, quem deve R$ 5 e não paga morre. Ele precisa ser seduzido com R$ 10, ganhos, trabalhando ou brincando, para não matar ninguém. Somente profissionais de educação podem recuperá-lo. Nada de senhoras piedosas ou guardas sapatões.
Fundações com tais finalidades valerão por mil discursos e farão com que os contingentes policiais se sintam amparados pela sociedade, a que prestam os serviços de defesa da ordem e da lei.
Enfim, há muitas medidas a serem tomadas, a curto e a longo prazo. Mas, de imediato, essas me parecem fundamentais: para os agentes de segurança, aumento já, e substancial, nos vencimentos, verba para equipamento moderno, penitenciária que separe os criminosos de alta periculosidade, apartando-os dos filhos da fome, e aproveitar a boa vontade, ou medo, dos empresários para convencê-los a fundar instituições de alta qualidade para recolhimento e educação de menores e outras de apoio ao policial honesto. Sob essa condição, no princípio não serão muitos. Mas se ganharem bem, poderão ser quase todos.

José Saulo Pereira Ramos, 67, é advogado em São Paulo, foi consultor-geral da República e ministro da Justiça (governo Sarney).

Texto Anterior: DIVISÃO DE ESPAÇO; PERSEGUIÇÃO
Próximo Texto: Contra a servidão
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.