São Paulo, sábado, 31 de agosto de 1996
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Filme retrata loucura e arte de R. Crumb

JOSÉ GERALDO COUTO
ESPECIAL PARA A FOLHA

O cartunista R. Crumb, grande nome do "underground" dos anos 60, está de volta, desnudado no documentário "Crumb", que estréia hoje no Cinesesc.
O Robert Crumb que emerge desse retrato multifacetado é um homem estranho, tímido, louco, obsceno, genial e íntegro.
Para ter uma idéia desta última qualidade, basta saber que Crumb recusou um convite milionário para fazer uma capa de disco dos Rolling Stones por um motivo simples: "Detesto rock".
O documentário sobre o criador de "Mr. Natural" custou US$ 200 mil e rendeu US$ 3,5 milhões só nos cinemas americanos, segundo seu diretor, Terry Zwigoff, 48, que falou à Folha por telefone, de sua casa em San Francisco.
Apesar da excelente performance, o filme gerou críticas escandalizadas da imprensa, sobretudo na Inglaterra, onde foi considerado indecente e sensacionalista.
"Acho que o que choca mais no filme é ver algo tão verdadeiro na tela, quando o cinema americano se especializou em fazer coisas mentirosas e estúpidas como 'Independence Day', em que os efeitos especiais são ótimos e o resto todo é pura merda", diz Zwigoff.
O documentário é repleto de depoimentos de uma franqueza quase insuportável, do próprio Robert Crumb e de sua família.
Charles, o irmão mais velho, diz por exemplo que tentou o suicídio várias vezes e que passa os dias trancado em casa com a mãe, lendo romances do século 19 e tomando tranquilizantes.
O mais chocante é saber que, um ano depois de ser filmado, finalmente ele conseguiu se matar.
Max, o mais novo, que senta todo dia durante horas numa cama de pregos e sai à rua com uma cuia pedindo esmolas, conta como teve um ataque epilético ao tentar assediar sexualmente uma mulher.
O próprio Robert diz que era espancado pelo pai, confessa sua tara por pés femininos e assume sua hostilidade às mulheres.
"Meu desafio, como cineasta, foi o de preservar a família Crumb, pela qual tenho grande estima, e ao mesmo tempo mostrar a verdade."
O diretor é amigo de Robert Crumb desde 1970 e chegou a editar quadrinhos do artista. "Temos um senso de humor parecido e gostamos do mesmo tipo de música: jazz e country dos anos 20."
Os dois tocam juntos na banda The Cheap Suit Serenaders: Crumb no banjo e Zwigoff no violoncelo e no bandolim. Já gravaram três álbuns.
"Tem muita coisa no filme que talvez tenha mais a ver comigo do que com ele. Muitas vezes, o que Robert diz é o que, no fundo, eu queria dizer", afirma Zwigoff.
Arte e loucura Além dos depoimentos de parentes de Crumb -incluindo a mãe, a atual mulher, a ex, os filhos-, o documentário traz cenas do cartunista desenhando em cafés, arrumando as malas para se mudar para a França, paquerando tietes numa exposição etc.
"Ao ver o filme, Robert ficou deprimido", diz Zwigoff. "Para não ser reconhecido na rua, trocou de chapéu, de óculos, de paletó."
A arte salvou Crumb da loucura? Para Zwigoff, isso é só meia verdade, pois seus irmãos também tinham talento artístico, e isso não os salvou.
"A diferença é que Robert foi um pouco mais corajoso para enfrentar o mundo exterior. Foi o resultado de seu trabalho que salvou sua vida. As garotas diziam: 'Uau, você é um grande artista, quero ir para a cama com você'. E outros diziam que ele era um cara legal e queriam ser seus amigos. Isso contribuiu para sua auto-estima e o manteve são."

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