São Paulo, sábado, 31 de agosto de 1996
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Documentário vira artista do avesso

JOSÉ GERALDO COUTO
ESPECIAL PARA A FOLHA

"Crumb" é um filme vivo e contraditório como seu objeto.
Graças a sua amizade com Robert Crumb, o diretor Zwigoff -que demorou seis anos para completar seu filme- conseguiu uma aproximação tão íntima ao universo do artista que o resultado é comovente e assustador.
Poucas vezes se viu no cinema uma personalidade ser virada do avesso como nesse filme. Crumb, usualmente avesso às entrevistas, fala de tudo, como se a câmera não estivesse ali.
A começar da infância: o pai, truculento, o espancava e esperava que ele se tornasse fuzileiro. Os colegas de escola o ridicularizavam, as garotas o desprezavam.
As desventuras sexuais na adolescência, o contato com a contracultura dos anos 60, as experiências com LSD -tudo é passado em revista com espantosa franqueza.
Embora coloque o acento na vida pessoal do artista, Zwigoff não descuida de situá-lo no panorama da cultura norte-americana.
Há, por exemplo, depoimentos do crítico de arte Robert Hughes, definindo-o como o grande artista norte-americano de sua época, "uma espécie de Brueghel da segunda metade do século 20".
Há ainda feministas enraivecidas bradando contra o suposto "sexismo pornográfico" de Crumb. E a resposta do artista, dizendo que coloca no papel o que muitos americanos escondem sob o tapete.
Nisso está o ponto forte do filme: mostrar que tudo o que pode haver de monstruoso ou perverso na arte de Crumb é uma espécie de radiografia da sociedade americana e de suas pulsões reprimidas ou hipocritamente disfarçadas.
No fim de tudo, R. Crumb aparece como um artista profundamente moral. Um homem que se recusou a corromper sua arte e que foi sempre um "outsider" mesmo no interior do movimento "underground" que o adotou.
É comovente ver como muitos de seus quadrinhos mais ultrajantes são muitas vezes sua história pessoal ligeiramente transfigurada. É estimulante, por outro lado, constatar sua inflexível repulsa aos valores mais sagrados do "american way of life".
O preço que pagou por isso foi alto. Se "na França ele é cultuado como um Picasso", como lembra Zwigoff, na América ele é visto como um maluco pervertido. Azar da América.
(JGC)

Filme: Crumb
Produção: EUA, 1995
Direção: Terry Zwigoff
Onde: apartir de hoje no Cinesesc

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