São Paulo, sábado, 31 de agosto de 1996
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Schlõndorff filma 'Forrest Gump' do nazismo

AMIR LABAKI
ENVIADO ESPECIAL A VENEZA

"The Ogre" (O Ogro), adaptado pelo alemão Volker Schlõndorff de romance de Michel Tournier, é um favorito a menos do Festival de Veneza deste ano.
A superprodução (em termos europeus) de US$ 18 milhões marcou a volta ao set de filmagens do diretor de "O Tambor" (Oscar de filme estrangeiro e Palma de Ouro em Cannes de 1979), depois de quatro anos como executivo principal dos estúdios Babelsberg, antiga sede das míticas UFA (pré-1945) e DEFA (era socialista).
As semelhanças iniciais de "O Ogro" com "O Tambor" são evidentes. Trata-se de mais uma fábula, narrada na primeira pessoa, sobre alguém que, resistindo a crescer, é assaltado pela fúria da história. O ponto de ruptura é o estilo barroco e operístico do novo filme em contraste com a simplicidade do clássico antecessor.
Um "Forrest Gump" do nazismo poderia ser a justa definição para "O Ogro", não fosse a incrível irregularidade do novo Schlõndorff em comparação à rigorosíssima máquina de emoções do último filme de Robert Zemeckis.
Defensor
John Malkovich ("Ligações Perigosas") interpreta o francês Abel, um semi-retardado que se acredita desde cedo imune aos percalços do destino.
Adulto, Abel autodenomina-se inocente defensor das crianças. Ironicamente, uma de suas protegidas o acusa de violência, salvando-lhe do cárcere o início da Segunda Guerra.
No "front", Abel cai prisioneiro dos nazistas, sendo por eles logo adotado. O protetor de infantes acaba por se tornar caçador de recrutas-mirins para uma escola preparatória de soldados nazistas.
Excesso
A adoção do ponto de vista do pretenso ingênuo Abel para todo o filme permite a Schlõndorff alternar incessantemente estilos cinematográficos que citam do arianismo de Veit Harlan e de Leni Riefenstahl ao gótico de "O Golem" e ao romantismo de "Os Nibelungos".
A operação roda em falso sobretudo quando torna-se central à trama um Herman Goering (o número 2 de Hitler) mais histérico do que expressionista, que seria excessivo mesmo numa animação baseada em Georg Grosz.
Tudo progride rumo a um final apocalíptico. A dramaticidade da tela jamais chega à platéia. "O Ogro" acaba resultando em um filme artificial e distante. A reciclagem inibe o pensamento; o cálculo sufoca a emoção.
É incrível que um filme tão espetaculoso e glacial possa ser dedicado à memória do sutil Louis Malle.

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