São Paulo, sábado, 31 de agosto de 1996
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Estatuto adequado, mas não cumprido

ALDA MARCO ANTONIO

A legislação vigente no Brasil nunca foi aplicada na sua globalidade. O ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), que, dentre outras, trata da questão infracional, apesar de promulgado em outubro de 1990 não mereceu até agora aplicação que possibilite um julgamento. A atual crise que vivemos não está necessitando de mais leis, mas de ações.
Antes de restringir ou impedir, a atual legislação prevê e estimula ações práticas e concretas, que vão desde a advertência, a obrigação de reparar dano, a prestação de serviço à comunidade, a liberdade assistida, a semiliberdade até a internação em estabelecimento educacional. E mais, além de citar, define e descreve cada uma dessas ações, dando aos responsáveis pela sua aplicação os elementos necessários à sua implantação. Se a lei não está sendo cumprida, isso não significa que seja inadequada, mas sim que existe falta de vontade, falha na destinação de recursos e incompetência.
O debate sobre o tempo de permanência do infrator nos locais de privação de liberdade mascara duas questões mais importantes: como está sendo utilizado esse tempo e o que está sendo feito para evitar que o jovem cometa a infração.
Após a promulgação do ECA, pouco foi feito ou mudado para atender à nova legislação. Ao contrário, o país assiste, estarrecido, à total falta de sensibilidade de governantes que, a pretexto de ajustar seus orçamentos, cortam serviços, verbas e funcionários destinados a atender políticas públicas para crianças e jovens como se fossem descartáveis, dispensáveis ou supérfluos.
É muito comum também autoridades invocarem o velho e desgastado discurso de que todos são responsáveis e a sociedade sempre faz melhor que o poder público. O que até pode ser verdade, mas não dispensa o governo de ter política, serviços e ações.
As famigeradas Febens, como no passado, continuam a ser chamadas de "escolas", mas não educam. Quando conseguem, fazem a contenção, mas, ao sair, em geral, o infrator volta à sociedade em pior situação do que quando lá entrou.
A passagem pela instituição quase sempre aumenta sua ansiedade, agressividade e revolta. Em contrapartida, diminuem suas chances de retomar uma vida normal, já que a instituição estigmatiza. Se ele for originariamente de alguma cidade do interior, simplesmente não poderá retornar e certamente permanecerá na capital vivendo nas ruas, com todas as implicações que isso acarreta.
Projetos existem. Eu mesma coordenei a elaboração de dois deles, um para o governo de São Paulo e outro para o governo federal, nos quais as medidas socioeducativas de privação de liberdade contemplam todos os aspectos previstos no ECA. Para saber se tais medidas são boas, ou inócuas, teriam de ser aplicadas. Mas disso os governos fogem.

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