São Paulo, domingo, 1 de setembro de 1996
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NA PONTA DA LÍNGUA

MARCELO LEITE

Um dos dramas da língua portuguesa e dos jornalistas é o tal de infinitivo conjugado. Esta semana, uma pessoa muito querida procurou-me indignada para verberar contra "barbaridade" em título da Folha: "Pragmatismo faz negros apoiar Pitta".
Mais uma vez, fui obrigado a decepcioná-la. Ao menos segundo o "Novo Manual da Redação", não há erro.
Apesar do manual, esclareço de pronto que também acho horrível. Soa errado, mesmo que não seja. Assim como no caso da crase antes de pronome possessivo, facultativa, defendo a explicitude: texto de jornal, como no caso da honestidade da mulher de César, tem de ser e também parecer correto: "Pragmatismo faz negros apoiarem Pitta".
O verbete "infinitivo conjugado" do manual (pág. 81) desanima, é verdade. Já começa dizendo que não há regras inequívocas.
"Confie no ouvido", recomenda, numa imprudência ainda mais grave do que pedir bom senso. "O que importa são harmonia, clareza e eufonia" -desastre na certa. Em seguida, a regra jacobina: "Na dúvida, não flexione o infinitivo" (corte fora tudo que exceder o tronco).
Como a dúvida é o estado mais comum entre jornalistas (para não falar da perplexidade), imagino que foi essa a regra eleita pelo redator do título. Mostrou que desconhece a continuação do verbete na pág. 82, que apresenta já no item "a" o mais simples caso em que o infinitivo pode (diria: deve) ser conjugado, a do sujeito próprio.
O sujeito de "faz" é "pragmatismo"; o de "apoiar", "negros". Como são dois sujeitos, "apoiar" pode/deve concordar com o seu próprio, indo para o plural ("apoiarem"). Simples. Não parece, mas é.

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