São Paulo, domingo, 1 de setembro de 1996 |
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Política impede ajuste, diz economista
ANTONIO CARLOS SEIDL
O Brasil está perdendo uma conjuntura internacional muito favorável ao crescimento econômico por causa dos obstáculos políticos ao ajuste fiscal. Essa é a opinião do carioca José Alexandre Scheinkman, 48, que chefia o Departamento de Economia da Universidade de Chicago (EUA) há cerca de um ano e meio. Primeiro estrangeiro a ocupar a cadeira que já foi de Milton Friedman -o economista ganhador do Prêmio Nobel de 1976 e o mais conhecido do templo do liberalismo-, Scheikman diz que o desequilíbrio fiscal inviabiliza o Plano Real no longo prazo. "A questão não é saber quanto tempo existe, porque toda vez que os políticos adiam esse processo diminuem a nossa capacidade de crescimento e a nossa capacidade de aumentar a produtividade do trabalhador brasileiro -e, portanto, de aumentar o bem-estar." Para ele, o Brasil se preocupa demais com a taxa de câmbio ou a inflação daqui a seis meses, mas parece ignorar que, enquanto não houver um ajuste fiscal profundo, o país não vai conseguir as taxas de crescimento verificadas nos "tigres asiáticos". "O desequilíbrio fiscal impede o aumento da poupança, da taxa de investimento e a melhoria do nível de educação", afirma. "Temos um dos piores níveis de educação do mundo e, além disso estamos educando pouco nossos jovens. Então, a nossa situação futura vai ser ainda pior em relação a esses países." Nascido no bairro do Botafogo, no Rio, Scheinkman, filho de família de judeus russos, está na Universidade de Chicago desde 73. A seguir, trechos da entrevista concedida por telefone na última sexta-feira. * Folha - Qual é a sua avaliação do Plano Real? Scheinkman - O Plano Real a longo prazo não é sustentável. Folha - Por quê? Scheinkman - O que é mais importante não é focalizar o que vai acontecer daqui a três ou seis meses. Esse desequilíbrio fiscal que o Brasil apresenta hoje tem um custo elevado a longo prazo. No ano passado, o desequilíbrio fiscal causou uma taxa de juros real de 35% no Brasil. O custo da dívida pública foi de cerca de R$ 35 bilhões, quase um terço da receita federal. Esse é que é o custo do plano. Não se pode ficar focalizando o que acontecerá nos próximos seis meses. Importante é focalizar que esse custo é real. Mesmo que o plano dê certo a longo prazo, esse custo impediu que o país tivesse mais escolas, melhor rede de saúde e menos impostos. Folha - O que é mais importante, controlar a inflação ou crescer? Scheinkman - Se olharmos a taxa de crescimento que ocorreu nos dois últimos anos em diversos países, vamos ver que há uma conjuntura muito favorável atualmente para o crescimento econômico. Houve crescimento não só em países que a gente está acostumado a falar, como Taiwan e Cingapura, que cresceram a taxas altas, mas também Tailândia, Vietnã, Indonésia, Filipinas -que eram consideradas um caso perdido na Ásia-, Camboja e China. Todos crescendo a taxas de 6% a 9%. Folha - Quando o Brasil vai conseguir se juntar a esse grupo? Scheinkman - O Brasil está perdendo uma conjuntura muito favorável ao crescimento por causa do desequilíbrio fiscal. Estive no Brasil recentemente. Estou convencido de que a equipe econômica entende perfeitamente a necessidade do ajuste fiscal. Evidentemente, o que há agora é uma questão puramente política. Folha - No Brasil, por causa do longo processo inflacionário, nos acostumamos a pensar com a macroeconomia sendo o centro dos debates. Mas como fica a reforma no nível microeconômico, como, por exemplo, a redução do "custo Brasil"? Scheinkman - Esse debate é importante porque a redução do custo Brasil vai aumentar a produtividade da nossa economia. Isso vai ser a maneira como vamos conseguir chegar a taxas de crescimento elevadas. Folha - O renitente ajuste fiscal e o "custo Brasil" são os nós górdios da passagem do pós-Real para uma fase de crescimento? Scheinkman - Sim. Os estudos mais recentes sobre os países que cresceram muito, tipo Taiwan, Hong Kong, os chamados "tigres asiáticos", concluem que a maior parte desse crescimento é explicada por três fatores: 1) aumento da força de trabalho em relação à população total, por meio da queda do crescimento populacional e com o aumento da participação da mulher na força de trabalho; 2) aumento do nível educacional e, consequentemente, da produtividade dos trabalhadores; e 3) alta taxa de investimento em relação ao capital instalado. Milagre mesmo houve muito pouco. Folha - O que isso ensina ao Brasil? Scheinkman - Que o Brasil precisa se preocupar com esses fatores. A questão populacional não é mais um problema no Brasil, a taxa de crescimento já caiu, a mulher participa cada vez mais na força de trabalho. Restam dois problemas: o aumento do nível de educação e o aumento da quantidade de capital investido. Folha - Como o sr. avalia o desempenho da educação no Brasil? Scheinkman - A avaliação é ruim. O sistema educacional brasileiro está reprovado. No Brasil, somente 37% dos jovens entre 12 e 17 anos estão recebendo educação secundária. No Chile, essa porcentagem é 72%; na Coréia, mais de 90%. Folha - Não só temos uma população pouco educada hoje em dia, como o nosso futuro ainda vai ser pior, a julgar por esses dados. Scheinkman - É por isso que não devemos ficar apenas nas discussões macroeconômicas. Estamos olhando a floresta e esquecendo as árvores. A educação é que vai determinar o crescimento de um país a longo prazo. O outro fator é a taxa de investimento. Ainda temos uma taxa de poupança baixa, em parte porque o Estado é um despoupador tão importante. A nossa população poderia poupar mais, mas o grande problema é a despoupança do Estado. O país precisa aumentar a taxa de investimento, por meio do aumento da taxa de poupança interna e da taxa de investimento estrangeiro. Folha - Quais as perspectivas de mais investimento estrangeiro? Há, sem dúvida, uma recuperação, mas a comparação é com números muitos baixos na última década. Enquanto não houver uma situação mais clara sobre a situação macroeconômica e um ajuste fiscal mais profundo, o investidor estrangeiro vai sempre ficar arredio. Nesse sentido, a prioridade do processo de educação também é importante, porque hoje os investidores se preocupam muito com a qualidade da força de trabalho. Folha - O Brasil ainda tem chance? Scheinkman - Sou otimista, mas falo mais com as entranhas do que com o cérebro. O Brasil ainda tem uma chance, ainda tem um prazo, a questão talvez seja mais urgente do que algumas pessoas entendem, mas acho que ainda há prazo se o governo realmente se empenhar em fazer não só as reformas que dependem do processo constitucional, mas também as reformas infraconstitucionais, que não requerem uma mudança na Constituição e que podem ser aprovadas de uma maneira mais fácil pelo Congresso e acelerar o processo de privatização. Folha - Como o sr. vê a crise do sistema bancário? Scheinkman - Há várias crises no sistema bancário. A mais grave é a dos bancos estaduais. O governo ofereceu várias opções aos Estados e, infelizmente, entre essas opções consta a possibilidade de continuar existindo o banco estadual. Enquanto existir bancos comerciais nos Estados, a possibilidade de crises futuras vai estar sempre ali. Todo governador com ambições eleitorais vai sempre tentar financiar sua agenda política por intermédio dos bancos estaduais. Folha - Qual é a saída para os bancos estaduais? Scheinkman - Deviam ser extintos ou privatizados. Se conseguir privatizar é melhor. Essa não é a primeira crise dos bancos estaduais nem será a última. Folha - Quais são os pilares para a reforma do sistema bancário? Scheinkman - Haverá crises enquanto permanecer esse sistema no qual o governo assume todo o risco no caso de problemas bancários, garantindo os depósitos dos correntistas. Se o governo tem de segurar uma parte dos depósitos, deveria exigir como contrapartida que os ativos correspondentes a esses depósitos fossem altamente regulamentados. Se esse governo vai garantir o depositante, tem de exigir dos bancos um patrimônio e ativos de alta qualidade. Prefiro um sistema em que houvesse uma garantia relativamente pequena para os pequenos depositantes, e que o resto corresse um risco maior. Com a queda da inflação, o sistema bancário brasileiro vai ter de se descontrair. O sistema bancário brasileiro devia se internacionalizar um pouco mais, porque isso diminuiria a pressão sobre o governo de salvar bancos. A proteção ao sistema financeiro no Brasil pode ser a pior, mas não é a única no mundo. Isso também acontece nos EUA. Texto Anterior: Lobby aéreo no Senado Próximo Texto: Só 30% apóiam reeleição para FHC Índice |
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