São Paulo, domingo, 1 de setembro de 1996
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'Saber que posso viver não foi boa notícia'

LUIZ SÉRGIO FORSTER
ESPECIAL PARA A FOLHA

Tive diarréia durante um ano inteiro, com desidratação aguda. Não subia escadas, não tinha forças para andar. Há quatro meses, só conseguia tomar banho muito devagarinho.
No momento mais crítico, que durou uma semana, tive pneumonia. Passei a tomar o coquetel. Em dois meses, a diarréia acabou e a única doença oportunista, também. Engordei de novo.
A morte é até bem-vinda, quando você não tem mais nada a perder. Não é muito fácil voltar, fazer planos para o futuro. Faz tão pouco tempo.
Os antigos amigos desapareceram, ou eu desapareci. Não queria estar na boca do povo. A partir do momento em que eu não podia falar da minha doença, eu não considerava que existisse mais amizade.
Vim pedir auxílio ao GIV (Grupo de Incentivo à Vida). Ainda não é a cura, mas agora surge uma nova possibilidade de pensar. Ainda não sei como voltar à vida normal, trabalho, dinheiro. Tenho saudade do mundo. E medo também.
Saber que posso viver por mais tempo, a princípio, não foi uma boa notícia. Mexeu muito comigo. Tudo aquilo a que eu me condicionei mudou de repente. Tive que alterar tudo de novo. É preciso ter muita estrutura para aguentar.
Estou com saudade de sair, de voltar a ir ao cinema, teatro. Mas não vou retornar ao mesmo jeito de viver e de trabalhar que tinha antes. Quero reconstruir minha vida sobre valores mais definitivos.
Sou como a história dos dois sapos (símbolo do GIV) que caíram numa enorme vasilha de leite. Um deles logo julgou que qualquer esforço seria inútil, parou de se debater e se afogou. Outro continuou nadando até o limite de suas forças. O leite talhou, virou manteiga e o teimoso se salvou.

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