São Paulo, domingo, 1 de setembro de 1996
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"Já tinha comprado até plano funerário"

MARCO AURÉLIO ARAUJO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Foi triste quando soube que estava contaminado, porque estava me desfazendo de uma sociedade empresarial que não deu certo. Queria dar a volta por cima assim e começar tudo de novo sozinho, mostrar que eu era capaz.
Era sócio de uma marcenaria. De repente, por desentendimentos com a minha sócia, abandonei tudo. Voltei para casa depois de oito anos morando fora.
Quando todo mundo estava contente em casa, fui à clínica buscar o resultado. Foi como um banho de água gelada. Eu havia ido fazer só para tirar a dúvida, porque várias pessoas amigas estavam fazendo naqueles dias.
Isso faz dois anos e meio. Depois de seis meses, tive pneumonia. Foi a primeira infecção oportunista. Aí meu mundo caiu. Porque todos os planos que tinha para recomeçar foram por água abaixo.
Não contei sobre a doença para ninguém, e passei a não ir mais à casa dos amigos. Era uma pessoa muito preconceituosa também em relação à Aids.
Tive amigos com HIV antes. Mas não os visitava. Passava numa bomboniére, comprava uma caixa de bombons e mandava um funcionário entregar. Não ia porque tinha medo. Depois que passei a conviver com a doença, a gente vê que não é assim.
Quando ainda não tinha HIV, imaginava: 'Se um dia tiver, vou subir num prédio e me jogar de lá de cima'. Só que, quando tive, mudei. Agora, até converso com os meus vírus: 'Vocês são vírus burros, porque dependem de mim para viver; então me dêem forças para viver que automaticamente vocês hão de viver também'.
Vindo a cura, eu quero retomar o megócio de fabricação de móveis. Por enquanto, ainda não dá. Ainda não consigo resistir ao cheiro de cola, seladora. Se dei a volta por cima na doença, vou agora acertar num negócio meu.
Já tinha comprado até plano funerário para pagar o meu enterro antecipadamente. Quem acabou usando foi meu pai, que estava bem de saúde, e, em maio passado, morreu de um câncer que evoluiu com muita rapidez.

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