São Paulo, domingo, 1 de setembro de 1996
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Liminar cria 'caso Bosman' brasileiro

MARCELO DAMATO
DA REPORTAGEM LOCAL

Começou o "caso Bosman" do futebol brasileiro.
O meia ofensivo Cláudio Alexandre de Oliveira obteve há três dias liminar na Justiça do Trabalho que suspende os efeitos do passe que o liga à Ponte Preta, clube de Campinas. Com a liminar, o jogador pode assinar contrato com qualquer clube, em caráter temporário. A decisão é inédita no Brasil.
Neste mês, Claudinho, titular da seleção brasileira júnior campeã sul-americana e vice-campeã mundial em 1995, vai entrar com a ação principal, pedindo para se tornar livre das obrigações do passe -como conseguiu o belga Jean-Marc Bosman em 1995.
Por um lado, o meia pede a propriedade dele. Por outro, contesta a constitucionalidade do passe.
O passe é uma figura jurídica que dá ao clube o direito de preferência na renovação do contrato de trabalho de um jogador. A venda do passe é, juridicamente, a venda desse direito.
Conflito
Claudinho conseguiu a liminar na Justiça após mais de quatro meses de desavenças com a diretoria da Ponte Preta, iniciadas com o impasse na assinatura de um contrato profissional -o clube ofereceu salários de R$ 400,00, recusados pelo jogador, e fixou o passe em R$ 5 milhões.
Desde abril, Claudinho está sem receber salário nem qualquer ajuda do clube. "Tive que voltar para Sarandi (PR) e viver com os meus pais", afirmou.
O jogador acusa o clube de tê-lo profissionalizado à revelia, fraudando a assinatura de seu pai nos contratos de 1994 e 1995, e de ter mentido ao afirmar que ele se encontrava desaparecido em documentos com datas entre fevereiro e abril deste ano.
Nivaldo Baldo, presidente da Ponte desde o início de 1996, sustenta que o jogador estava de fato ausente e que o passe dele pertence ao clube (leia texto abaixo).
Pelas supostas falsificações, o meia e seu pai, Antonio Aparecido de Oliveira, fiscal de seguros, por meios dos advogados Erivan da Costa Leite e Deborah Borges, processaram a Ponte Preta no Tribunal de Justiça Desportiva da FPF, que em 12 de agosto deu ganho de causa ao clube de Campinas.
Na sentença, o TJD reconhece as fraudes, mas afirma que a assinatura do pai não é mais uma exigência legal, pois o jogador tem mais de 18 anos.
A exigência está contida no artigo 5º da Lei do Passe (6.357/76), que o TJD entende estar revogado.
No contrato-padrão para atletas profissionais, ainda existe espaço reservado à assinatura do pai.
Liberdade de Trabalho
Derrotado na Justiça Desportiva, o jogador foi à Justiça do Trabalho. Pediu a liminar no dia 21 e a recebeu oito dias depois.
No seu despacho, a juíza Célia A. Cassiano Diaz declara que "o direito ao trabalho é quase tão sagrado quanto o direito à vida. No caso do atleta desportivo, esse direito se torna ainda mais contundente".
Afirma também que "não se pode perder de vista, ademais, que a nossa Carta Magna impõe liberdade para o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão (artigo 5º, XIII), elencando dentre os direitos sociais, por elas assegurados, o trabalho (art. 6º)".
"Essa interpretação da Constituição põe em cheque a Lei do Passe", declara Heraldo Luís Panhoca, advogado do jogador no processo trabalhista.
É esta ação que torna Claudinho a cópia perfeita de Bosman. Em 1995, o atacante belga obteve na Suprema Corte européia decisão que o liberava para jogar onde quisesse. A Corte também decidiu a abolição de qualquer restrição para que um jogador "comunitário" conseguisse trabalho em clubes da União Européia.

LEIA MAIS sobre a Lei do Passe e sobre o caso Bosman na pág. 3

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