São Paulo, domingo, 1 de setembro de 1996
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Não adianta chorar sobre o leite derramado

ALBERTO HELENA JR.
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

No final das contas, o Palmeiras acabou trocando Rivaldo por Viola, o que, visto assim de cara, não parece bom negócio. Claro, pois Rivaldo, quando foi negociado, era considerado o melhor jogador brasileiro, menos por sua genialidade e mais por sua versatilidade: era a centopéia do Matinas, com mil pernas e três funções -defender, armar e atacar, o ideal de qualquer técnico em qualquer época.
Só depois é que veio o fracasso da Olimpíada, certamente como consequência da transação. Ou melhor, da transição: Rivaldo, literalmente, ficou paralisado entre dois mundos.
Ora, como Rivaldo era uma espécie singular no nosso futebol (no resto do mundo, só vejo certa similaridade funcional no búlgaro Letchkov), o Palmeiras está até agora penando para rearmar-se no mesmo plano do primeiro semestre. Sobretudo, porque com ele foi-se outra ave rara: Muller, que pousou do outro lado do muro da Barra Funda, em busca do ninho antigo. Neste caso, pouco poderiam fazer o Palmeiras ou a Parmalat, pois não se tratava de questões econômicas e sim afetivas.
Já, quanto a Rivaldo, não. Ao contrário: foi uma decisão empresarial que considerei desde o início negativa para todos os envolvidos -clube, patrocinador e jogador.
Como não adianta chorar sobre o leite derramado, a Parmalat e o Palmeiras tentam, com Viola, retomarem o ritmo, ainda que num tom abaixo.
Mas, Viola, ao contrário de Rivaldo, é um solista, desses que passam em silêncio boa parte do tempo, para, de súbito, dar-nos um breve recital de seu restrito mas inventivo repertório, composto, principalmente, de gols, muitos gols.
Mas, afinal, não é disso que esse novo Palmeiras precisa?
*
Outro dia, cometi aqui a heresia de comparar o menino Denílson com o mago Canhoteiro, mito tricolor. Canhoteiro era a paixão de mestre Ziza, veneração de Gérson, o Canhotinha de Ouro. Agora, Gérson quer Denílson na seleção.
Exagero? Nem tanto. Assim como não haverá nem um pingo de exagero se disser que Denílson é um jogador mais completo do que Canhoteiro. Sim, porque se o saudoso ponta dos anos 50/60 foi incomparável no domínio de bola e nas chaplinianas sequências de fintas com aquela perna esquerda que mais era uma varinha de condão desmaterializando os adversários à sua frente, nem de longe passava-lhe pela cabeça combater, fechar espaços e outros babados indispensáveis no futebol dito moderno.
Aliás, foi por esse excesso de virtuosismo individualista que Canhoteiro jamais se firmou como titular da seleção, perdendo sua vaga, em 58, para Zagallo, prenúncio dos novos tempos que se avizinhavam.
*
As "chaplinianas" lá de cima foram furtadas de mestre Armando Nogueira que as dedicou a Garrincha em crônicas antológicas. Mais adequado seria cunhar as tais sequências de "cantinfladas", posto que Canhoteiro usava os largos calções com a cintura rebaixada ao nível das ancas, a la Cantinflas, o genial cômico mexicano, sucesso na época.
Mas quem se lembra ainda de Cantinflas? Ou de Canhoteiro? Ambos foram culturalmente incorretos.

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