São Paulo, domingo, 1 de setembro de 1996
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Brasileiros são selvagens, e americanos, subdesenvolvidos

GILBERTO DIMENSTEIN

Os pais suecos têm direito a 120 dias de folgas remuneradas por ano para cuidar dos filhos doentes.
É apenas um detalhe de uma rede de proteção que faz os americanos parecerem subdesenvolvidos, e os brasileiros, apesar de todos os avanços, selvagens. Não estou exagerando.
Na sua campanha à reeleição, o presidente Bill Clinton quer se mostrar como defensor da família e promete assegurar aos pais tempo livre remunerado para acompanhar os filhos com eventuais problemas -uma medida há muito tempo aplicada na Suécia.
Pais de deficientes suecos, por exemplo, desfrutam de 240 horas anuais acompanhar os filhos nas escolas.
Apesar da crise, provocada entre outras coisas por um desemprego de 13%, a Suécia tenta preservar ao máximo a proteção às crianças, por acreditar no valor da família para a estabilidade social.
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Quando o Brasil resolveu dar quatro meses de licença-maternidade e sete dias ao homem, as capivaras ideológicas advertiram sobre os perigos da estabilidade econômica -alegam que, no final, as próprias mães iriam sair prejudicadas.
É coerente com a lógica da selvageria: por ignorância ou, pior, falta de caráter, não sabem que, num país de desnutridos, o aleitamento materno é simplesmente uma questão de vida ou morte.
Na Suécia, os pais ganham dinheiro por cada filho que nasce e podem ficar 12 meses em casa; até o ano passado, era um ano e meio.
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O país gasta 2,4% de seu PIB (Produto Interno Bruto, a soma da riquezas produzidas por uma nação) apenas com creches ou atividades extraclasse para alunos cujos pai e mãe trabalhem em período integral. Seria algo parecido ao Brasil gastar US$ 15 bilhões.
Só para dar uma leve idéia da qualidade atividades extraclasse. Além das aulas de artes, esportes e informática, é oferecido um serviço especial aos filhos de estrangeiros que, por acaso, desejem cultivar a língua de seus pais -o professor vai, inclusive, às casas.
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Tivesse ocorrido aqui o escândalo das creches da Prefeitura de São Paulo, quando morreram bebês, Paulo Maluf estaria aposentado da vida pública; os responsáveis seriam processados e teriam de se esforçar para não receber comida e moradia gratuita atrás das grades.
Um dos problemas da cultura da selvageria é que vamos nos acostumando com os escândalos -e, rapidamente, eles são esquecidos.
Quem se lembra dos velhos que morreram num asilo no Rio, da explosão do shopping em São Paulo, da matança no Pará ou das vítimas da hemodiálise em Pernambuco?
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As atuais leis sociais na Suécia já são resultado de cortes; antes havia ainda mais direitos.
Por exemplo: famílias psicologicamente abaladas ganhavam do governo passagens e pagamento de hotel para passar férias no exterior, desde que autorizadas por assistentes sociais.
No ano passado, acabaram com o subsídio a muçulmanos sueco para visitar Meca durante a festa religiosa.
Se houvesse um médico especialista no exterior, as famílias recebiam passagens e dinheiro para consultá-lo.
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A eleição nos EUA mostra como o valor da família está no topo da agenda do país.
Clinton não pára de inventar lances de marketing. Anunciou que deve adotar um filho; propôs ajuda em dinheiro para quem adotasse uma criança.
Por trás do marketing eleitoral, há uma discussão séria, alimentada por detalhados estudos: a desestruturação familiar aliada à pobreza provoca devastadores danos. Afetam a produtividade econômica, estimulam a marginalidade e a delinquência.
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Por falar em desestruturação familiar, ótima idéia do Ministério da Educação, anunciada semana passada, de estimular educação sexual nas escolas. Até porque temos, no Brasil, 1 milhão de adolescentes que engravidam todos os anos.
Dica: o Fundo de População da ONU tem um catálogo de experiências sobre experiências de educação sexual espalhadas pelo mundo.
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Fiz aqui, em Estocolmo, uma saborosa descoberta histórica que confirma a tese de que, por trás de um grande homem, sempre há uma grande mulher. No caso sueco, uma amante platônica.
Inventor da dinamite, Alfred Nobel montou uma milionária indústria de armamentos, o que não era exatamente uma contribuição ao pacifismo.
Ele tinha uma paixão por Bertha von Suttner, uma baronesa austríaca, devidamente casada. Entusiasta do movimento pacifista, ela influenciou Nobel a criar um prêmio para a paz mundial.

PS - Participante do encontro sobre exploração sexual, a deputada Marta Suplicy disse que, além da beleza de Estocolmo, ficou impressionada com a abundância de mulheres esculturais, todas loiras.
Vi num restaurante como as mulheres são também a prova de que o homem é insaciável. Entrou uma jovem negra, mirrada, sem maiores dotes. No Brasil, passaria despercebida -habitualmente discretos e reservados, alguns dos comensais pararam de comer.

E-mail GDimen@aol.com
Fax (001-212) 873-1045

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