São Paulo, domingo, 1 de setembro de 1996
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Príncipe torcedor choca a Holanda

Libération de Paris

DO "LIBÉRATION"

em Amsterdã
A monarquia holandesa, que se acreditava tão solidamente embasada sobre os fundamentos da casa de Orange e da popularidade da rainha Beatriz, foi abalada por uma discussão acirrada que vem colocando em dúvida sua própria sobrevivência. O responsável pela tempestade é o príncipe herdeiro, Guilherme Alexandre, um rapaz alto e robusto de 29 anos.
O que chama a atenção é o fato de que a origem de todo o zunzunzum, que já fez correr rios de tinta e suscitou várias pesquisas de opinião, não passa de uma história banal envolvendo a conduta de torcedor entusiasta que o príncipe de Orange demonstrou durante os Jogos Olímpicos de Atlanta.
Durante as duas semanas da Olimpíada, os holandeses viram um príncipe completamente diferente do rapaz tímido e recatado que conheciam de suas raras aparições na televisão nacional.
O futuro rei Guilherme 4º abandonou o recato exigido por sua condição para tornar-se um torcedor barulhento, bebedor de cerveja e festeiro, segundo algumas fontes, mas também em "hooligan coroado" e "príncipe do carnaval", de acordo com outras.
Cerveja e champanhe
Incentivado pela safra recorde de medalhas holandesas (19 ao todo, no melhor desempenho obtido pelo país desde 1928), o príncipe herdeiro mandou a discrição às favas para ser o primeiro a abraçar as jovens atletas premiadas, invadir os campos e quadras depois dos apitos finais e dançar no meio da massa -sempre com as mãos em volta de uma garrafa de champanhe ou um copo de cerveja.
Pior: sua futura alteza real deixou de lado também os ternos e gravatas para mostrar-se diante da plebe vestindo bermudas, boné e camiseta, deixando entrever sua barriga de amante da cerveja.
A reação da imprensa holandesa foi forte. Para o semanário de direita "Elsevier", a preferência do príncipe pelas bermudas constitui "um ato de dissolução" -da realeza, subentende-se.
Um dos cronistas mais conceituados da Holanda, J. H. Heldring, não hesitou em enxergar na conduta do jovem príncipe a desestabilização da Casa Real, que "deve manter uma certa distância das pessoas comuns", pois "quem não respeita a distância solapa a razão de ser da monarquia".
Heldring, aliás, também acusou Guilherme Alexandre de chafurdar na ideologia nacionalista, comemorando os sucessos esportivos da Holanda como o mais comum dos mortais, sendo que sua mãe havia recentemente citado as palavras de François Mitterrand segundo as quais "nacionalismo é guerra".
Apesar da reação unânime da imprensa, que fustigou o príncipe, chegando em alguns casos a apelidá-lo de "Guilherme, o idiota", a maioria da população se mostrou favorável ao príncipe torcedor.
Segundo várias sondagens, cerca de 80% dos holandeses se declararam entusiasmados com o comportamento de Guilherme Alexandre em Atlanta.
Desconfiança
Nada disso, entretanto, pode resolver um problema maior, anterior às Olimpíadas: as esferas políticas e a imprensa holandesa afirmam, há vários anos, temer que o príncipe não possua as qualidades necessárias para tornar-se rei da Holanda. "Ele é inteligente, mas não é um intelectual", dizia seu professor de história.
Ele próprio admitiu, em entrevista recente, que rebelou-se por muito tempo antes de aceitar a idéia de seu destino real inevitável.
Tradução de Clara Allain

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