São Paulo, domingo, 1 de setembro de 1996
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Suécia enfrenta os ladrões de bicicleta

GILBERTO DIMENSTEIN
ENVIADO ESPECIAL A ESTOCOLMO

Reverenciada como centro das experiências trabalhistas mais avançadas do mundo, a Suécia viu a crise chegar de bicicleta.
Por ano, 120 mil bicicletas são roubadas, tornando-se o crime mais popular do país.
Apesar dos esforços da polícia, esse crime não pára de crescer e aumenta ainda mais a desconfiança contra os imigrantes, acusados de ladrões de bicicleta.
A desconfiança atingiu a barbárie. Bandos de "skinheads" fizeram dos imigrantes suas vítimas preferenciais, arranhando a imagem que os suecos cultivaram de propagadores da paz mundial e respeito à diversidade -uma imagem fortalecida na entrega de cada Prêmio Nobel.
A Suécia também foi responsável pelos mais ousados programas a favor dos imigrantes nas escolas.
Além de programas especiais nas escolas para aprendizado de sueco e até professores que ajudavam as crianças a não esquecer a língua materna, foi criado um ombudsman para proteger seus direitos.
O desemprego trouxe a ansiedade ao país, cortou os benefícios sociais apontados como os maiores já conquistados pelos trabalhadores e gerou estatísticas até então desconhecidas dos suecos.
"A utopia trincou", diz o economista brasileiro Pedro Nicaciu, que se exilou na Suécia em 1969 e nunca mais saiu.
"Os imigrantes viraram bode expiatório, estão se isolando e, lentamente, formando guetos."
Num país de 8,5 milhões de habitantes, um total de 112 mil carros são roubados e cruzam as fronteiras, o que é atribuído a gangues de poloneses e romenos.
As ruas são extremamente seguras para os padrões brasileiros ou até nova-iorquinos. Mas o governo descobriu, no ano passado, que o sueco tem cada vez mais medo de sair de casa à noite.
Numa pesquisa realizada pela polícia, 21% revelaram ter assistido a algum tipo de violência; 34% das mulheres disseram que, amedrontadas, não saem de casa à noite com temor de serem vítimas.
O resultado final é que três em cada dez suecos estão, hoje, preocupados com a criminalidade.
A taxa de desemprego afeta mais os imigrantes, atingindo 21%, contra 13% no geral, mas também intensamente os jovens, favorecendo drogas ou alcoolismo.
"Além do consumo de drogas ter aumentado, reduziram as verbas para tratamentos psiquiátricos. Aumentou em 200% a necessidade de atendimento nos hospitais psiquiátricos", afirma a socióloga Bam Borling, que trabalhou com drogados.
A combinação de juventude, drogas, desemprego, acrescentados de uma sensação de marginalidade, tem estimulado em todos os países a criminalidade.
"O país está numa crise de identidade", afirma Nicaciu.
"Pela primeira vez vi uma criança me pedindo dinheiro", diz o jornalista uruguaio Alejandro Perez, há 20 anos no país.
Para Nicaciu, nada poderia ser mais revelador dos novos tempos do que um fato em especial: o praticamente inexistente Exército da Salvação percorre as ruas para ajudar suecos que dormem nas ruas.

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