São Paulo, domingo, 1 de setembro de 1996
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Chega de irresponsabilidade

ANTONIO ERMÍRIO DE MORAES
Vivemos a era da desregulamentação. Mas em certas áreas a regulamentação é impositiva. Esse é o caso do trânsito. Os seres humanos precisam seguir regras rígidas para conviver pacificamente com o automóvel e outros veículos.
O Brasil tem uma frota de 15 milhões de veículos. Isso representa apenas 3% da frota mundial -que é de 500 milhões. Apesar de tão poucos veículos -quando comparados com o resto do mundo-, os brasileiros detêm o recorde de acidentes. Cerca de 50 mil pessoas perdem suas vidas todos os anos em desastres de trânsito. A maioria é de jovens, com menos de 30 anos.
A quantidade de veículos do Brasil se torna gigantesca quando se leva em conta a precariedade de nossa infra-estrutura. Ninguém duvida que as nossas vias públicas são insuficientes para as nossas necessidades. O sistema de sinalização é rudimentar e a segurança é baixíssima.
A tudo isso se soma a indisciplina de boa parte dos motoristas e motociclistas brasileiros. Nas ruas e nas estradas, eles praticam abertamente a "Lei de Gerson". É um salve-se quem puder. A vocação para Fórmula 1 parece ser geral e o desrespeito ao direito dos outros é total.
Por isso, é auspicioso verificar que, depois de tantos anos de discussão, o Congresso Nacional se aproxima da aprovação final de um novo Código de Trânsito.
É claro que a lei não é tudo. Mas ela constitui um importante primeiro passo para reduzir a selvageria que campeia nas ruas e estradas do Brasil.
A nova lei não poderá criar a infra-estrutura faltante, é evidente. Mas ela contribuirá muito para disciplinar os condutores irresponsáveis.
O novo código é imenso. Tem mais de 300 artigos. Ele prevê um valioso programa de educação de trânsito que vai desde a pré-escola até a universidade. Estabelece critérios rigorosos para a habilitação. E endurece severamente as penalidades para os casos de infração.
Durante as discussões do projeto, cogitou-se sobre a possibilidade de se introduzir o conceito de dolo nas infrações de trânsito. As tecnicalidades jurídicas impediram que a nova lei chegasse a esse ponto. Mas os "assassinatos do trânsito" que hoje são praticados sem a menor consequência serão julgados segundo as regras do Código Penal. O homicídio culposo na direção de um veículo será apenado com detenção que varia entre dois e cinco anos.
Na nova lei, as infrações são classificadas em quatro níveis e para cada um deles haverá uma pontuação, a saber: gravíssima (7 pontos); grave (5); média (4) e leve (3). O condutor que somar 20 pontos terá sua carteira de habilitação suspensa por um ano e na reincidência perde o direito de dirigir. Está certo. Dirigir é ato de responsabilidade. Não é brincadeira.
Com a implantação do novo Código de Trânsito, espera-se uma forte redução nos rachas, no uso do álcool e nos malabarismos praticados por automobilistas e motoqueiros que não ligam para a vida dos outros. Essas condutas são agravantes das penas acima, que podem ser cumulativas.
Já era hora de um endurecimento como esse. O automóvel virou a vaca sagrada do ocidente. Mas, ao contrário da vaca da Índia, ele exige infra-estrutura e disciplina. Na falta disso, o automóvel se torna uma arma fatal.
Vamos aguardar agora as medidas de implementação, dentre elas a melhoria da formação dos agentes responsáveis pelo trânsito.

Antonio Ermírio de Moraes escreve aos domingos nesta coluna.

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